Já o tínhamos visto ir ao fundo da canção, ganhando vinho e perdendo pão, mas ninguém esperaria que, um ano depois, Luís Severo fizesse o enterro de “Cara d’Anjo”, disco tremendo que mostrou que o rapaz tinha feito a mala e saído de casa, dizendo a mestres e mentores que já a sabia toda e que, agora, ia decidido à sua vida. “Vou tocá-lo na íntegra pela última vez, a não ser que daqui a 50 anos se faça uma homenagem“, brincou, ao mesmo tempo que prometia coisas novas e oferecia, logo de entrada, “Boa companhia”, um amor de verão visto ao espelho do sumptuoso Palácio da Foz.
“Cabeça de Vento”, mais uma nova canção, é tocada de mansinho e cantada a Cappella,com um walkie talkie perdido a fazer das suas, isto antes da picada de escorpião trazer para palco dois acompanhantes que, sem serem de luxo – estes estavam ainda na afición a fazer a festa -, trouxeram bateria, baixo, pandeireta e coros a um requiem que esqueceu o luto,se vestiu de gala e teve sabor a festa. “Nita” vê Severo escalar Everestes de melodias vocais enquanto “Canto Diferente” desfila ao piano, arrancando o primeiro grande coro e um tímido abanar de anca colectivo. Há ainda “Tchuca”, do EP “Fim de Verão”, quem sabe se composta para uma namorada de fim de estação, depois de o creme ter acabado e o sol se ter posto. “Santo António” faz-nos sentir saudades do tempo quente e dos amores que ficaram pelo caminho, com lugar cativo que foi arrefecendo com o passar das folhas do calendário.
“Eu não sei como estamos de tempo“, atira um sempre desconcertante Severo, tímido perante qualquer indício de estrelato, antes de chamar ao palco a Primeira Dama e o muito bem posto Filipe Sambado, que ajudaram na recta final que acelerou com “Cara d’Anjo”, “Ainda é Cedo” e “Lábios de Vinho” – este último também com Rodrigo Vaiapraia a ajudar nos coros de voz fina e angelical. O primeiro dia do Vodafone Mexefest pode bem ter sido palco de um enterro, mas a ideia que fica é a de que, muito em breve, Luís Severo nos irá brindar com o milagre da ressurreição.
Ainda houve tempo para espreitar o crooning cantado de Howe Gelb que, mesmo bem-disposto e de chapéu bem posto, tentou que na Casa do Alentejo se fizesse silêncio – “We can hear what you’re thinking“. Entre temas da sua já longa antologia, sempre num registo clássico mas informal, ainda arranjou tempo para homenagear um dos últimos heróis colectivos – “Maybe we should do a Leonard Cohen song” – , brindando o público com “A Thousand Kisses Deep”. A Sociedade de Geografia teria sido certamente um lugar mais abençoado para o contador de histórias Howe Gelb. Estacionámos rapidamente na Garagem para, à primeira vista, notar que Manuel Fúria e os Náufragos atiraram com o nacionalismo às urtigas, sendo agora praticantes de um pop/rock mais gingão e que merece uma escuta fora do som complicado de um parque de estacionamento. Quanto aos Jagwar Ma fizeram a festa, trazendo de volta o espírito das raves Madchesterianas ao coração do Coliseu dos Recreios. Hoje estaremos com os olhos e os corações postos em Whitney e Kevin Morby, mas não deixaremos de atravessar a passadeira vermelha estendida por muito boa gente a Elza Soares.
Galeria de Fotos Vodafone Mexefest (Por Luísa Velez)