Uma tasca com ar decadente que se balança entre o punk e o fandango, numa festa que parece durar para sempre. Poiais alheios que vão servindo de bancos improvisados, entre vasos de plantas ou flores de caule bem levantado. Quintais que, durante quatro dias, se transformam em restaurantes improvisados, que vão do caldo verde ao bacalhau à lagareiro. Velhotes que espreitam às janelas e saem para a rua, revisitando uma juventude que há muito ficou para trás. Pistolas de água e borrifadores que, momentaneamente, devolvem a frescura numa espécie de São João tardio. Um café, de nome Tonita, poiso para os aficcionados da bola e, este ano, dos Jogos Olímpicos.
Quem estiver habituado ao circo festivaleiro urbano, vai dar por si perdido num mundo – neste caso uma aldeia – sem marcas. É certo que, em Cem Soldos, os copos de plástico têm o selo da Super Bock e, quem quiser esconder a cabeça de um calor bem para lá dos 30 graus, pode sempre servir-se de um chapéu de palha da EDP, disponível em pequenas montanhas numa das bancas de merchandising. Porém, no que toca a alimentar o estômago e a matar a sede, não há aqui sinal de grandes corporações. O território é o dos produtos locais, que vão do mouchão aos pães com farinheira ou, para os mais dados ao espírito açucareiro, um festim diabético constituído barrigas de freira, pampilhos de ovo ou de chocolate – modernices – e outros doces conventuais à moda de Tomar.
No ano em que chegou à décima edição – que decorreu entre 12 e 15 deste mês -, o Bons Sons encheu orgulhosamente o peito e mostrou por que motivos é um festival único. Uma experiência em modo de epifania que cruza gerações, mobiliza uma aldeia inteira e oferece aos visitantes uma viagem libertadora que, vai-se a ver, ainda conta com uma bela banda-sonora.
O fado manteve-se como a aposta principal, mas a diversidade de estilos e de géneros musicais continua a imperar. Nos dois dias em que o Deus Me Livro foi viver a aldeia ficaram alguns momentos a marinar no canal auditivo: Da Chick, rainha incendiária do funk com laivos de hip hop, de língua afiada e com a rebeldia em ponto de rebuçado; Isaura, habitante do território melancólico onde nada gente como os Daughter ou os The XX, uma voz que se saboreia como um rebuçado; White Haus, com uma costela bem arrancada aos LCD Soundsystem, exímios na arte de tecer beats dançantes tocados pelo rock.
Num país onde os festivais de música crescem como cogumelos selvagens, o Bons Sons marca a diferença de várias formas: pela vertente familiar, pela geografia participativa, por apostar na música portuguesa como dínamo provocador de risos, palmas ou ancas em espírito olímpico. Quem por cá passa terá sempre o desejo de voltar no ano seguinte, a um lugar que facilmente começará a ver como casa. Até para o ano Cem Soldos!
Galeria Fotográfica (Fotografias de Luísa Velez)
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