Fazendo a ponte entre a sabedoria popular e o muito religioso título que escolhemos para ilustrar o segundo dia do NOS Alive, nada como recorrer ao beato e muito proverbial “três é a conta que Deus fez”, pois apenas se falará aqui de três dos concertos do dia 8 de Julho: Jagwar Ma, Courtney Barnett e, já devem ter adivinhado, Father John Misty.
Aconteceu no Palco Heineken mas poderia bem ter sido num armazém abandonado, quando o Ecstasy circulava como smarties e os corpos se entregavam ao som que fez de Manchester a cidade mais louca do planeta, pelo menos durante um bom par de anos. Manchester e toda a Inglaterra, uma vez que o contágio foi célere e o bichinho se espalhou por toda a Britânia. Que o digam os Jagwar Ma que, mais de duas décadas depois e no país dos cangurus , decidiram recuperar a vertigem dançante inglesa – a que acrescentaram a praia dos Beach Boys -, e que ontem acabou por falhar por muito pouco a hora do chá.
Apesar de o som ter estado a uns bons centímetros daquilo que seria desejável – a banda levou o concerto inteiro a pedir afinações -, os australianos gravitaram essencialmente em torno de “Howlin”, o muito recomendado disco de 2013 que fez deles uma referência – a comprovar futuramente – do panorama musical que tem como motivação o abanar de anca. “What Love” ou “Uncertainty” foram desfilando até que “Come And Save Me” chegou para instalar definitivamente o modo rave party, marcada por uma proeminente linha de baixo, uma voz que só não é brit por acaso e uma central tecnológica de teclados que ia servindo beats e batidas como quem ia preparando rolinhos de sushi.
Depois de os Pixies quase nos terem deixado a pensar que o rock era coisa extinta, a menina Courtney Barnett tratou de reconstruir toda a efervescência a que associamos ao rock, indo beber à fonte dos anos 90 quando Seattle era a capital do mundo e os Nirvana os seus incontestáveis imperadores.
A viagem fez-se essencialmente entre “A Sea Of Split Peas” – o Duplo EP de 2013 – e “Sometimes I Sit and Think, and Sometimes I Just Sit” – este último um dos grandes acontecimentos musicais de 2015 -, tendo começado com uma raposa morta e (quase) terminado com um animado passeio de elevador.
Courtney tem tudo aquilo a que associamos a uma estrela rock com alma grunge, trocando as poses sensuais ou os jogos de imagem por um total entrega e a rebeldia associada à juventude, seja quando se passeia em palco executando solos tremendos de guitarra ou quando se ajoelha dedicando serenatas incendiárias aos PA`s que povoam o palco.
Numa actuação em crescendo, onde os obrigados eram ditos com uns cortantes “Té” – ou algo muito parecido -, não faltaram momentos altos: “An Illustration of Loneliness (Sleepless in New York), numa versão mais lenta com ar de slow para rockers em convalescença; “Small Poppies”, o momento mais rock e onde Courtney se dedicou a solar como se não houvesse amanhã; “Depreston”, com direito a palmas e a um coro que faria corar de inveja o Santo Amaro de Oeiras; ou “Pedestrian at Best”, momento insano de surf crowd a que só faltou mesmo que Kurt Cobain descesse à terra para dar a benção. Se depender de Cortney o rock sem adornos, feito de carne viva, melodia e espírito crooner, está aí para as curvas.
Diz-se que é como o algodão, e a verdade parece ser mesmo essa: Father John Misty não engana, e cada concerto seu é garantia de excelência. O pregador sensual com alma de bom rufia, que pinta retratos do amor e da vida com uma tristeza tal que se torna bela, ofereceu o grande concerto da noite. A temperatura subiu tanto que o músico acabou por ser prendado com um soutien branco, e apenas por acaso não foi pedida a comparência do INEM. O encantamento é tal que, por momentos, sejam homens e mulheres, todos querem ser tocados pelo amor de Father John, baptizados numa poça de água para que se dê uma conversão superior.
Impressionante é também o território alargado de sonoridades a que Misty se entrega, seja o incrível e muito dançante “True Affection” ou momentos em que parecemos estar num baile de saloon a decidir se convidamos ou não aquela cowgirl de carinha laroca para dançar.
Momentos altos foram todos eles, como aquele em que em “When You’re Smiling and Astride Me” Misty se ajoelha, mostrando que por vezes é preciso rasgar as calças para que a conquista chegue a bom porto. Numa actuação com muita teatralidade, não faltaram as poses sensuais ou os beijos atirados como sopros, e onde o amor foi apresentado entre o mel e a raiva, a poesia e a ironia. Aqueles que por lá passaram considerem-se abençoados para todo o sempre – e confessados, pelo menos, por um bom par de meses, sem necessidade de cantar qualquer Pai-Nosso ou Avé Maria. Digam apenas, como acto de contricção algo como isto: em nome do Father, do filho John e do Mystico Santo.
Galeria Fotográfica (8 Julho)
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