Há coisa de dias, como sempre acontece quando se celebra a revolução dos cravos, a música popular portuguesa esteve em força – ainda que, como manda a tradição, as colunas partilhassem temas e arranjos míticos que, com o passar dos anos, surgem agora inevitavelmente datados, ainda que continuem a ser grandes.
A pergunta que se pode fazer é esta: como “reabilitar” a música popular portuguesa, aquela que traz em si um toque de intervenção, nos dias que correm? Pois bem, a verdade é que a resposta a essa pergunta tem vindo a ser dada desde há alguns anos e, curiosamente, com as mesmas assinaturas: Pedro Lucas e Carlos Medeiros. Se, com o projecto O Experimentar Na M’Incomoda, entrámos dentro dessa Atlântida portuguesa chamada Açores, com Medeiros/Lucas assistimos a uma renovação da música de intervenção que, agora, aponta a poesia não à política mas ao próprio indivíduo, casando de forma magistral a palavra com a música.
A Galeria Zé dos Bois foi o palco escolhido para a apresentação de “Terra do Corpo”, o novo disco da dupla que sucede ao brilhante “Mar Aberto”. A curiosidade era muita para ver como se desenrolaria em palco a parafernália constituída – e construída – por uma bateria que vai a todas, uma guitarra com alma de saltimbanco, um baixo retemperador e uma voz possante e melancólica, tudo cruzado com muitos beats e uma electrónica muitas vezes turbulenta. E, apesar de alguns pequenos deslizes, o resultado foi um concerto vibrante e intimista, que confirmou a dupla Medeiros/Lucas como um caso série de bom gosto musical, que eleva a tradição a um novo e fascinante patamar.
“Sístole Perdida” dá início à viagem por alto mar, com uma tarola saltitona, uma guitarra a apanhar banhos de sol no deserto e um coro traquina; “Safra de Gente” é o auge da experimentação, onde a um baixo de fato e gravata se junta a loucura da bateria e uma guitarra que esquece a pauta para viver o momento; “Pulmão” traz-nos o perfume das 1001 Noites, enquanto “Asas” é o mais perto que a dupla está de escrever uma música de intervenção para ser cantada no próximo aniversário do 25 de Abril; “Fado do Regresso” vai da música popular ao rock, como se fosse business as usual misturar Sérgio Godinho com Strokes; “Canção do Mar Aberto” é música para ter sido escrita pelos Sigur Ros, isto se os rapazes tivessem nascido nos Açores; “Sede” fez dançar o swing e estalar os dedos, ainda que para desespero de Pedro Lucas não tivesse dado azo a grandes movimentações; “Transparência” oferece o momento mais caricato da noite, quando após duas voltas em sentido contrário, Pedro Lucas é afastado dos coros – isto entre muitos sorrisos; “Corpo Vazio”, a última canção antes do encore, traz-nos a maravilhosa Selma Uamusse, que para além de ter dito que sentia “um elefante numa loja de porcelana“, resumiu a essência da dupla Medeiros/Lucas antes de se atirar a uma grande interpretação: “Grandes poemas, belas histórias contadas”. E cantadas, acrescentamos nós.
Fotos de Constante Joana (ver galeria)
Próximos concertos na ZDB (sempre às 22h00):
5 Maio: Glenn Jones | Pedro Gomes
7 Maio: Capicua
12 Maio: Rahu
19 Maio: Geneva Jacuzzi + Jejuno
26 Maio: Tomorrow Tulips + Mighty Sands
29 Maio: White Fence
31 Maio: Steve Gunn Band
16 Junho: DAWN (Dawn Richard)
19 Junho: Kikagaku Moyo
24 Junho: Minta & The Brook Trout
23 Julho: Goth Money Records
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