No início, tudo era rock’n’roll. Desde que tivesse pelo menos uma guitarra a fazer barulho e um tipo mais ou menos louco ao microfone era rock’n’roll, a música do demo, que estava a corromper os jovens. Depois a juventude foi passando a ter estatuto, crescendo e ganhando poder de compra, ao mesmo tempo que o rock também crescia e se fragmentava. De repente, passou a ser necessário distinguir os vários sub-géneros, até porque também era necessário arranjar uma forma mais simples e eficaz de arrumar os discos nas fnacs e nas carbonos da altura.
Além dos rótulos para os sub-géneros do rock’n’roll, também se começaram a criar rótulos para cenas específicas, vendendo assim com um só nome um aglomerado de vários géneros, bandas ou projectos. Tivemos, por exemplo, o caso do grunge em Seatlle, a Madchester dos anos 80 e, actualmente, o novo rock psicadélico de São Francisco. Depois do rock ter ressuscitado na viragem deste século (onde está rock deve-se ler música de guitarras), a mudança de década deu uma nova vitalidade ao garage, ao lo-fi, ao fuzz e ao do it yourself. E tudo passou a ser chamado rock psicadélico, especialmente se vier da Califórnia ou de Perth, na Austrália.
Os Meatbodies, que se estrearam em palcos nacionais na noite de ontem no Musicbox, são de São Francisco e, portanto, mais uma das bandas deste novo psicadelismo, apadrinhadas pelo guarda-chuva de Ty Segall, o mui prolífero rock’n’roller (digno sucessor do falecido Jay Reatard) que faz tudo na Califórnia. Foi na editora deste, a GOD?, que escutámos pela primeira vez os Meatbodies, enquanto Chad Ubovix, o líder da banda, fazia parte dos Fuzz (do próprio Segall) ou da banda de suporte de Mikal Cronin (outro protegido de… adivinharam, Segall).
Assim que começam a tocar, os níveis de electricidade atingiram logo o vermelho. O psicadelismo dos Meatbodies é apunkalhado e de música para música o truque é tocar mais depressa e mais alto. O público reage instintivamente aquelas bolas de energia e ao segundo tema já existe crowdsurfing com fartura. O fuzz não deixa perceber propriamente as letras dos temas, mas há teenage angst (e hedonismo, dizemos nós) suficiente na voz de Ubovich para nos identificarmos com aquela energia contagiante. No fundo, é tudo rock’n’roll e foi sempre isso que entusiasmou os putos.
O problema é que os temas dos Meatbodies têm tendência para se esticarem em demolidoras jams, o que faz com que a energia do público se dissipe e que o crowdsurfing, por exemplo, só regresse lá para o penúltimo tema do concerto. O público mantém-se atento, o headbanging involuntário prova que a música dos Meatbodies é eficaz, mas aquele efeito devastador dos primeiros vinte minutos já não volta mais.
Na primeira parte estiveram os 800 Gondormar, rapazes que vão também ser apelidados de psicadélicos (que remédio), mas que aqui há uns tempos seriam só garage-punk com uma ligeira tendência para o stoner. Têm um baterista-vocalista, o que é sempre fixe e que nos lembra que o Kaló, dos (saudosos) Bunnyranch, tem uma banda nova e que a temos que tentar ver ao vivo rapidamente. Concerto extremamente competente e a deixar-nos o aviso de que os 800 Gondormar estão aí para deixar marca. E para provar que, enquanto houver putos a fazer barulho, o rock’n’roll nunca irá morrer.
Fotos: Joana Pincha.
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