A Image Comics, no início dos anos 90, surgiu como uma resposta directa às grandes editoras norte-americanas, uma vez que permitia aos autores manterem os direitos intelectuais das suas personagens. Apesar de não ter demorado muito a afirmar-se comercialmente neste mercado, a editora ainda estava longe de conquistar o reconhecimento que tem hoje. Felizmente, o seu percurso ao longo do tempo foi pautado por uma evolução notável, encontrando-se actualmente – passados mais de 10 anos – numa das suas fases mais prósperas em termos de criatividade, possuindo um leque de títulos vasto, distinto e de grande qualidade.
Em termos de vendas, a Image poderá continuar a surgir abaixo das gigantes DC Comics e Marvel Comics. Porém, poucas ou nenhumas dúvidas existirão de que estamos perante uma das editoras norte-americanas mais estimulantes do momento, algo que tem vindo a ser cada vez mais sublinhado pelos constantes prémios que tem vindo a conquistar.
Em 2012, a editora deu a conhecer ao mundo um novo projecto de Brian K. Vaughan (“Y The Last Man”, “Pride of Baghdad”) com desenho de Fiona Staples (“North 40”, “Northlanders”). Este novo trabalho captava a atenção pela sua originalidade na maneira como trabalhava conceitos explorados nos géneros da ficção científica e da fantasia medieval, misturando-os de forma a criar algo distinto e único. Em “Saga” podemos tão depressa encontrar povos cuja cabeça são ecrãs de televisão, como entrarmos numa floresta assombrada onde a presença de fantasmas e de árvores mágicas são tão naturais como a gravidade.
A base para esta trama nasce de uma longa guerra entre dois povos, os do planeta Landfall – o maior da galáxia e cientificamente mais avançado – e os de Wreath – uma lua de Landfall, cujos habitantes são praticantes das artes mágicas. Uma vez que a destruição de qualquer um destes planetas teria consequências devastadoras para o outro, ambos os povos acabaram por continuar as suas batalhas em outros locais, numa espécie de terceirização desta guerra. Desta forma, este confronto entre ciência e magia prolonga-se ao longo da galáxia, acabando por envolver outras civilizações numa guerra que, como todas as outras, não faz qualquer sentido (excepto para aqueles que enriquecem com as mesmas).
Em “Saga” seguimos as desventuras de um casal de apaixonados, descobrindo semelhanças com o eterno “Romeu e Julieta”: Alana, de Landfall, e Marko, de Wreath, podem pertencer a mundos rivais, mas ambos se foram apercebendo da inutilidade da guerra quando confrontados fisicamente com a mesma, acabando por privilegiar e lutar pela via do pacifismo. Quem sabe se a resposta para o fim deste confronto não esteja, tal como na peça de Shakespeare, na força desta união, a qual nos surge, logo nas primeiras páginas, com o fruto do seu amor ao colo. Uma nova vida que, além de ser um dos maiores símbolos de esperança neste Universo, é também a narradora desta história.
Além de nos trazer estes novos mundos, tão ricos e diversificados, numa espécie de “Guerra das Estrelas” encontra o “Senhor dos Anéis”, Vaughan continua a ter bem presente o que move os leitores a quererem seguir uma história: as suas personagens. Elas são verdadeiramente a alma desta obra, cujos receios e motivações são sempre cuidadosamente explorados pelo autor ao longo da narrativa. Quando nos afastamos do grupo que reúne os protagonistas, é difícil não salientar a perspicácia de personagens como o príncipe Robot IV – aliado de Landfall e um daqueles que tem uma TV nos ombros – ou a sensibilidade de The Will, um assassino a contrato que é a prova viva de que até os maiores monstros podem ter um coração.
Independentemente de estarmos num mundo de ficção, povoado por elementos do fantástico, “Saga” não deixa de ser um enorme grito contra a destruição de vidas, um tratado a favor da paz, onde a importância da arte como transportadora desta mensagem não foi esquecida.
Se Vaughan já tinha um currículo vasto e impressionante na BD, Fiona Staples, em comparação, era um nome relativamente desconhecido para muitos. Após “Saga” o seu anonimato rapidamente passou a pertencer ao passado. Staples conseguiu dotar este Universo de uma perfeita harmonia, tornando credível a coexistência de todas estas personagens e crenças tão díspares.
No final do ano passado a editora G. Floy decidiu apostar em algumas séries de BD norte-americanas da Image Comics (pois claro), sendo uma delas este “Saga”, cujo primeiro volume já se encontra disponível nas lojas portuguesas. Ficam os desejos de que as edições continuem e que o mercado português não veja esta aventura desaparecer das estantes, como tantas outras no passado.
1 Commentário
É realmente impressionante esta odisseia. Concordo quando destacas as personagens como a alma desta tremenda narrativa. Adoro que se encontrem numa zona cinzenta, onde não existem realmente heróis nem vilões mas sim seres que reagem com o instinto de sobrevivência aos elementos exteriores. É um prazer acompanhar a queda e ascensão destas personagens, as reviravoltas no seu seu carácter, as inesperadas alianças que se criam por um bem maior. Que viciante que isto é 😀