• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
FOLIO
Mil Folhas, Zoom 0

FOLIO – Uma conversa sobre a construção da Europa através da literatura

Por Pedro Miguel Silva · Em 24/10/2015

Como transformar um debate sobre a questão europeia num empolgante, informativo e inventivo momento? Fácil. Basta convidar um moderador com o poder condutor e a mestria da conversação de Pedro Mexia e, de cada um dos lados, colocar dois dos poucos génios que habitam a cultura portuguesa: Helena Correia e Eduardo Lourenço. Propunha-se, no âmbito do FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, uma conversa sobre a construção da Europa através da literatura.

“A Europa é a Catedral de Chartres e não a CEE“, atirou Mexia recriando o Diário de Miguel Torga, apontando os dois pólos díspares sobre os quais a Europa poderá ser olhada: a cultura e a política. Política que, adimita-se, sai claramente a perder por entre um sentimento de desencanto.

Para Eduardo Lourenço a Europa vive dias de desnorte, algo que só poderá ser alterado quando a Rússia fizer parte do projecto europeu. O pensador português fez uma viagem pelo percurso histórico europeu, do esplendor de Atenas a Roma, até à dupla catástrofe de guerras que atirou com a Europa às cordas e que o projecto europeu – a então CEE – decidiu reabilitar.

Lourenço transportou o desencanto actual perante a ideia de Europa para os anos 1960, momento em que a primeira vaga de emigrantes – cerca de 800 mil almas – abandonou Portugal rumo a França, Alemanha e – mais tarde – Luxemburgo, fazendo com que “de repente não fosse assim tão chique falar francês.” Porém, ao contrário do que acontecerá provavelmente hoje, os que partiram falavam de Portugal sempre com admiração e nunca rancor, regressando nas férias para fazer boa figura perante os que tinham ficado por cá decidindo não arriscar a sorte. A rematar esta ideia de uma Europa desencantada, Eduardo Lourenço apontou a história europeia como a de uma guerra civil permanente e diária, que está longe de ter terminado.

Hélia Correia apontou parte da razão deste imenso desencanto para a ausência de um ensino europeu ao nível literário, ou se quisermos ser mais abrangentes, um ensino cultural. A vencedora do Prémio Pessoa regressou aos primórdios para falar das diferenças entre o modelo europeu grego e o dos povos selvagens, assente no poder da fala e da criação da cultura. Contrapondo a ideia moderna de que os povos do norte trabalham e os do sul preguiçam, Hélia Correia levou os espectadores ao rubro com a leitura de um excerto do “Ensaio sobre a origem das línguas”, de Rosseau, escrito no século XVIII mas que mantém uma estranha actualidade sobre a dicotomia razão/emoção.

Mexia aproveita para lançar o tema Grécia trazendo uma frase que está mais na moda que a comida sem glúten – “Nós não somos a Grécia” -, defendendo que “do ponto de vista retórico quem está do lado de Homero ganha”. Hélia Correia recusou essa ideia de vencedores antecipados, dizendo que não há um lado certo e que a história é devir, aleatória, injusta e pouco normal. Ao contrário da ideia de beleza intocável que temos do paraíso helénico, a história da Grécia é feita de guerras e intrigas, tendo Hélia Correia traçado um paralelismo da democracia grega com a nossa apenas pelo uso da mesma palavra, uma vez que para si a única coisa que poderemos transpor de positivo do período helénico para os dias de hoje será a ideia de exaltação, uma vez que “a democracia não existe“, é apenas um jogo de fantasmas – como se viu recentemente com o fim do sonho grego às mãos dos burocratas europeus. Hélia Correia foi ainda mais longe nesta ideia de falsos estados democráticos: “O boletim de voto não existe. É uma projecção holográfica“. Holográfico foi também o final do debate motivado pelas perguntas do público, que terminou com esta frase de Pedro Mexia: “Começámos com Homero e acabámos com Cavaco Silva”. Felizmente, a história irá guardar com apreço apenas o registo do primeiro.

 

Galeria de Imagens: Postais do FOLIO

Eduardo LourençoFOLIOHélia CorreiaPedro Mexia

Pedro Miguel Silva

Pode Gostar de

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors, Mil Folhas

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista, Mil Folhas

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular, Mil Folhas

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors,

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

    08/05/2025
  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista,

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

    08/05/2025
  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular,

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

    07/05/2025
  • Dentro da Tenda, Lucie Lučanská, Deus Me Livro, Crítica, Planeta Tangerina,

    “Dentro da Tenda” | Lucie Lučanská

    07/05/2025
  • Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria, Mariana Enriquez, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal,

    “Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria” | Mariana Enriquez

    30/04/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto