No que diz respeito à arte de refractar (leia-se: resistir, impelir à acção, dinamitar o sistema), dificilmente qualquer editora conseguirá chegar perto da Antígona, que tem no espírito subversivo o seu grande motor e alimento. Os primeiros seis meses de 2016 trazem muitas e recomendadas edições, entre guiões, ensaios, cartas e romances. Seguem-se as novidades da Antígona (com textos retirados do press release).
Janeiro
“A Nebulosa”, de Pier Paolo Pasolini
(Guião)
Tradução de Manuela Gomes
“A Nebulosa” (1959) impôs a Pasolini «vinte dias atrozes fechado num hotelzito a trabalhar como um cão». Guião literário escrito em 1959, irreconhecível no filme Milano nera (1961), e que se lê como um romance negro, apenas em 1995 foi resgatado ao esquecimento. Texto febril e colérico, A Nebulosa mergulha na periferia de uma Milão envolta em névoa, com «fieiras de luzes e de prédios envidraçados», onde um grupo de teddy boys, numa estonteante noite de fim de ano, afoga na mais extremada violência as suas frustrações. Nesta ronda frenética com contornos de Laranja Mecânica, em que só néons de bares pontuam a longa noite sem estrelas da juventude tentada pelo abismo, estão na mira de Pasolini a perversão moral engendrada pela sociedade afluente e o seu desprezo por tudo.
Fevereiro
“O Universo Concentracionário”, de David Rousset
(Ensaio)
Tradução, introdução e glossário de João Tiago Proença
David Rousset foi um dos primeiros deportados a descrever os mecanismos e a lógica dos campos de concentração, que o nazismo levou ao paroxismo do horror. Escrito em Agosto de 1945 e inédito em Portugal, “O Universo Concentracionário” revela o sistema que neles operava, pondo a nu as suas molas psicológicas e as hierarquias que neles se estabeleciam. Este texto de Rousset, filósofo de formação, é amplamente citado por Hannah Arendt n’ As Origens do Totalitarismo.
“Cartas a Um Jovem Poeta”, de Rainer Maria Rilke
(edição bilingue)
Tradução e posfácio José Miranda Justo
Edição bilingue, posfaciada por José Miranda Justo, das dez epístolas trocadas ao longo de cinco anos entre Rilke e Franz Xaver Kappus, jovem que procurava dar os primeiros passos no domínio da escrita poética. Um compêndio vital sobre a conduta e o ofício do poeta e a arte da escrita.
“Viagem aos Confins da Cidade“, de Leonardo Lippolis
(Ensaio)
Tradução de Margarida Periquito
“Viagem aos Confins da Cidade” é uma indagação sobre a crise da metrópole e sobre o imaginário de uma época que, nas transformações das suas cidades, lê o seu inexorável declínio. Uma reflexão sobre o destino das cidades contemporâneas, quer idealizadas por filósofos e urbanistas, quer por romancistas e cineastas.
Março
“A Armadilha Daech – O Estado Islâmico ou o Retorno da História”, de Pierre-Jean Luizard
(Ensaio)
Tradução Pedro Carvalho e Guerra
O historiador Pierre-Jean Luizard reconstitui neste livro a dinâmica do Daech, restituindo-a sobretudo ao seu contexto. Recuando ao período colonial e à presença otomana, A Armadilha Daech traça um amplo quadro geo-histórico e é uma lúcida análise dos efeitos duradouros provocados pela emergência do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.
“Kallocaína”, de Karin Boye
(Romance)
Tradução do sueco João Reis
“Kallocaína” (1940) é um romance distópico inspirado pelo apogeu do nacional-socialismo na Alemanha, na veia de 1984, de George Orwell e de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Num futuro desumanizado e totalitário, um estado militar controla a sociedade, que se vergou à sua vontade, na ânsia da segurança prometida. Quando o cientista Leo Kall inventa um soro da verdade, o Estado não se coíbe de querer extorquir todos os segredos e pensamentos dos seus cidadãos. Um romance opressivo que concebe a ditadura como algo inerente à consciência individual e que se revela clarividente no que toca ao uso de drogas como elemento de controlo de massas.
“Uma Apologia do Ócio / A Conversa e os Conversadores”, de Robert Louis Stevenson
(Ensaios)
Tradução de Rogério Casanova
“Uma Apologia do Ócio” (1877) apresenta, precisamente, o ócio como uma crítica tomada de posição, à disposição de todos. Como arte de viver com benefícios comprovados, em busca do «palpitante calor da vida», assim se desmonta um quotidiano acinzentado pelas obrigações laborais. Dois textos de Robert Louis Stevenson que nos convencem de que o ócio e a conversa merecem figurar como artes maiores, a cultivar, na vida do homem.
Abril
“O Palácio do Riso”, de Germán Marín
(Romance)
Tradução de Helena Pitta; Prefácio de Roberto Merino; Posfácio de Júlio Henriques
Romance de rara perfeição, “O Palácio do Riso” (1995) recria, entre passado e presente, a história da Villa Grimaldi, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura de Pinochet, também apodado jocosamente de Palácio do Riso pelos agentes da polícia política. Quando um narrador, nunca nomeado, revisita o edifício, o passado feliz da casa funde-se com um legado de barbárie e com as vivências de quem enfrenta o horror de olhos bem abertos. História de decadência de um país, é uma viagem ao coração de um trauma pela mão experiente de um autor que sempre condenou abertamente a ocultação colectiva de infâmias.
“Oreo”, de Fran Ross
(Romance)
Tradução de Paulo Faria
O romance satírico “Oreo” (1974), «demasiado avançado para o seu tempo», segundo a crítica, é uma pérola injustamente esquecida e redescoberta em 2015 pelo público americano. Oreo, a personagem principal, filha de mãe negra, parte em busca do pai judeu na Grande Maçã, convertendo-se num Teseu moderno com laivos feministas. A insólita linguagem, a corrosiva crítica social e o humor picaresco fazem de Oreo uma obra surpreendente.
“A Vida sem Princípios”, de Henry David Thoreau
(Ensaio)
Tradução de Luís Leitão
N’”A Vida sem Príncípios” (1863), Henry David Thoreau desenvolve o seu pensamento sedicioso, demonstrando que as necessidades materiais e as contingências diárias são um entrave ao crescimento espiritual e alertando-nos para as armadilhas mundanas em que facilmente nos enredamos. Ensaio-programa de vida, nele se exalta o individualismo e a comunhão com a natureza, advogando a rejeição da sociedade.
Maio
“Conta-me Uma Adivinha”, de Tillie Olsen
(Contos)
Tradução de Manuela Gomes; Posfácio de Diana V. Almeida
“Conta-me Uma Adivinha” (1961) reúne quatro dos melhores contos de Tillie Olsen, revelando a voz de uma América que tivera pouca expressão até então: «Eis-me aqui, a passar a ferro» dá voz a uma mãe preocupada, que realiza tarefas domésticas; «Ei marinheiro, que navio?» relata o progressivo isolamento de um homem embarcado, cada vez mais perdido no álcool; «Ó Sim», sobre o racismo imbrincado na sociedade negra; e o conto que dá nome à colectânea: «Conta-me Uma Adivinha», que acompanha o declínio físico de uma matriarca.
“Maçãs Silvestres e Cores de Outono”, de Henry David Thoreau
(Ensaios)
Tradução de Luís Leitão
A par dos seus textos políticos mais interventivos, Thoreau celebrizou-se pela nature writing, textos telúricos em que a natureza, a sua nobreza e sagacidade dão azo a reflexões e inevitáveis comparações com a vida humana. A colectânea reúne “Maçãs Silvestres” (1862), um dos últimos textos do autor, e “Cores de Outono”, matéria para uma genuína apologia dos sentidos e para fugazes, mas intensas, experiências vivificantes.
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