Horas após terem pisado o palco maior do Vodafone Paredes de Coura, os Parcels escreviam isto na sua conta facebook: “Portugal. Wow.We never expected that. Last night was one of the most beautiful sixty minutes that we’ve ever shared. A million thanks and all our love. x“. Uma conversa com tudo menos circunstância, tal não era a satisfação que tinha tomado conta dos rapazes no final da actuação – Anatole “Toto” Serret, o baterista, chegou mesmo a dar um saltinho à Fred Astaire, acrescentando um sorriso extra aos lábios dos já deliciados festivaleiros.
No ano passado, aquando da sua estreia em Portugal à boleia do Super Bock Super Rock, dedicámos-lhes um parágrafo de alma cheia: “Quanto aos Parcels, se tivessem surgido em modo mute, muitos pensariam tratar-se de uma boys band inspirada nos anos 70, para quem a praia seria pôr as adolescentes a sonhar com um grande amor ou, no mínimo, com uma paixoneta de verão que acabaria, na certa, com muitas lágrimas e um desarranjo na maquilhagem. A banda australiana, residente na mais ocidental Berlim, deu um dos grandes concertos desta edição, transformando – com atitude e um humor, arriscaríamos, australiano – o Parque das Nações numa pista de dança a céu aberto, como se, em vez de seis da tarde, marcassem antes seis da manhã, e o cenário fosse o da varanda do Lux.”
Com imagens de fundo que poderiam ser frescos frutíferos descobertos, numa visita não guiada a um qualquer museu europeu, os fab five australianos entraram a matar, testando as ancas ao limite com uma versão artilhada de “Myenemy”, acompanhada à altura e palma por uma multidão com vontade de fazer a festa. “Somos tantos“, ouve-se, antes da versão algo Beatlesca de “Bemyself”, seguida de “Comedown”, que chega servida com coxas de frango e batatinhas bem assadas, que no ecrã deixavam água na boca.
“Lightenup” é rastilho para uma apreciável moshada, que se estende ao palco para os primeiros saltos destes cangurus australianos, visivelmente encantados com o cenário que descobriram em Coura: “É uma vista linda, estamos siderados, que doideira“, dizem, partindo para um concurso de animação onde cada um deles tenta levantar o volume ao máximo dos que estão no seu raio de acção.
“Venha numa viagem, venham connosco“, slogan que poderia pertencer a uma empresa de cruzeiros, é o mote para uma versão agrafada de “Gamesofluck”, onde a banda faz uma vénia a Giogio Moroder, o iluminado da Disco a quem os Daft Punk homenagearam em Random Access Memories, disco de 2013, mas cujo legado parece ser mantido vivo por estes rapazes, que casam como ninguém a electrónica com certeiros riffs de guitarra, aproximando a música dos Parcels desse sonho Disco imaginado por Morodio.
“Withorwithout” é o momento em que os Parcels brilham como a irrequieta boys band que são, antes de uma centelha de puro delírio em que decidem correr as estações de rádio para darem de caras com “Encosta-te a mim”, de Jorge Palma, que durante uns segundos é entoado em coro. Uma boys band que, diga-se, tem também a capacidade de transformar uma balada num tema digno de uns Metz, com um powerchord e um jogo de luzes capazes de deitar por terra os mais sensíveis à luminosidade.
Não falta “Overnight”, com o teclista visivelmente tresloucado, mas um dos momentos altos chega logo depois com “Closetowhy”, canção sobre a falta de sono – onde assistimos a um momento rodinha – que, aqui, vestiu uma nova roupagem onde a disco chegou a tocar ao de leve no techno. Tudo com uma coreografia de passos estilosos e abanares de cabelo, que nos fez ficar com inveja de não saber o nome da cabeleireira que põe a mão na cabeça desta malta.
O festim encerra com “Tieduprightnow”, final perfeito para um concerto imaculado, vibrante e enérgico, de uma banda que está mais do que preparada para conquistar o mundo. Estes cangurus sabem mesmo saltar.
Neste primeiro dia houve ainda que enfrentar o tédio com os Boogarins, qualquer coisa como uns Tame Impala brasileiros mas sem a capacidade de construir temas melódicos que fiquem no ouvido, ou de escrever refrões que mereçam ser decorados. As filas da frente divertiram-se a fazer crowdsurf, a banda insiste que está ali com muita alegria e ainda mais honra, mas a verdade é que o tempo custou a passar.
Da menina Julia Jacklin apenas fomos a tempo de escutar as últimas cinco canções que, ainda assim, valeram por muito bom concerto: “Comfort”, tocada sozinha à guitarra, poderia ser o hino do Canadá, país que serve de brincadeira à apresentação da banda residente em Toronto; “Good Guy” plana entre o meloso e o eléctrico, pedindo-se a senha que valha o amor de uma vida; “Pool Party” mergulha no cloro mas tem é sede de rock n roll; “Body”, manifesto anti-abuso e bandeira à liberdade do corpo e ao espaço pessoal, serve para Jacklin brincar, dizendo que estão ali mais três milhões de pessoas do que estavam à espera; “Pressure to Party” é o fim de festa que se pedia, cantando-se sobre aquela porta que, apesar de dar para um mundo feito de pressões sociais e onde é difícil respirar, deixa sempre uma nesga para o amor. Se ainda não o encontraram, meus putos, mantenham o coração e a porta aberta.
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