No segundo dia de Vodafone Paredes de Coura, o arranque pertenceu quase por inteiro ao rock and roll.
Os Shame, mais um daqueles nomes que os brits vão vendendo como a melhor banda do momento – à boleia da rodela “Songs of Praise” -, entraram em palco ao som de “We Like To Party”, dos Vengaboys, e bastou um tema para que Charlie Steen decidisse pegar na prancha para entrar em modo crowdsurf, algo que viria a repetir por diversas vezes. “Come on, come closer. Enjoy yourself” foi, também, um mantra repetido até à exaustão, num concerto que protagonizou o regresso da banda a Portugal depois de terem tocado, segundo os próprios, numa pool party: “Foi muito esquisito”, disseram entre sorrisos nervosos. Um post-punk em fim de tarde que serviu, essencialmente, para alimentar o moche das filas da frente.
The Legendary Tigerman, que assina no BI como Paulo Furtado, foi o protagonista de um concerto rock and roll à moda antiga, de onde sobressaíram os duelos titânicos entre a guitarra eléctrica e o saxofone, sempre pendurados numa bateria que não martelava um prego. Tigerman cumpriu bem o papel de entertainer, fosse para falar dos problemas em ter os dois microfones alinhados ou para atirar um piropo algures entre a fofura e a acidez – “Hoje estou com tanto amor por vocês que quero que o feedback se foda” -, mas o modo como este rock and roll foi servido, pouco desviante e sem se atrever a sair fora da caixa, fez-nos ter saudades de uma feira de diversões chamada Wraygunn, que no lugar do preto e branco oferecia uma palete com todas as cores do arco-íris.
A noite começou a mudar muito graças aos Fleet Foxes, visivelmente animados por terem escapado ao Aeroporto de Amsterdão, onde estiveram retidos durante quase um dia inteiro. A banda foi guia numa viagem por uma folk que pede de empréstimo o perfume da pop, tendo sido generosa o suficiente para basear o concerto nos discos mais antigos, deixando “Crack-Up”, o menos conseguido disco de 2017, surgir apenas a espaços. O som, equalizado como se estivéssemos a escutar uma transmissão através de um rádio antigo, foi perfeito na forma em como reflectiu a melancolia e o espírito bucólico destes rapazes, que conseguem ser grandiosos sem nunca mostrar ostentação ou soberba. Uma emoção para guardar e levar para casa.
O melhor ficou guardado para depois quando os Jungle, que surgiam em Coura com o rótulo de “melhor banda do mundo ao vivo”, pisaram o palco. Imaginem o Lux num dia feliz, em que o house sai cá para fora e, do nada, se monta uma festa a céu aberto, assim como aconteceu com a primeira passagem de Matthew Herbert pelo Meco num dos saudosos Hype @ Meco.
Liderados por Tom McFarland e Josh Lloyd-Watson, os Jungle assinaram o seu terceiro concerto em Portugal, eles que misturam, na perfeição e com a mestria de uma Lourdes Modesto, a house music, a soul e o funk, servidos com muito requinte, elegância e um sexto sentido capaz de inventar a melhor forma de incendiar uma festa. A mistura é explosiva, sendo impressionante a forma como tudo se conjuga e vai rolando, sempre em crescendo: as muito afinadas vozes femininas, as percussões endiabradas, os sintetizadores retro, a guitarra agitadora.
Para além dos já clássicos “The Heat” ou “Busy Earnin`”, a banda apresentou ainda temas do novo disco, que chegará às lojas no próximo mês, mostrando que o caminho é o da house e que continuarão a haver bons motivos para abanar a anca.
Não faltou a homenagem a Aretha Franklin, “uma inspiração para todos nós”, e como foi incrível ver um anfiteatro inteiro a bater palmas a um só batimento, deixando para trás a cidade, o trabalho e as contas que ficaram por pagar para uma aventura no coração desta selva que tão bem sabe despertar os sentidos. Se os concertos forem medidos pela adesão popular, esta terá sido de longe a melhor actuação da edição deste ano. Têm a palavra, amanhã, os Arcade Fire.
Fotos: Hugo Lima/Vodafone Paredes de Coura
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