Pode dizer-se, sem medo de represálias ou que nos atirem com um kit de pintura de olhos à cabeça, que os The Cure não editam um disco memorável desde 1989 – ano do magnífico “Disintegration”. Porém, não deixa também de ser verdade que muitas das rodelas que lançaram antes dessa data são, ainda hoje, um refresco musical que tem conseguido sobreviver a revoluções tecnológicas, tsunamis geracionais ou correntes e contra-correntes musicais. Ontem, aqueles que encheram a Meo Arena sabiam o que os esperava: entrar num DeLorean, recuar quase três décadas no tempo e celebrar o legado de uma banda que deixou marcas na história da pop/rock, quer quando viveu o seu período mais negro e sombrio como descobriu uma faceta luminosamente pop, não esquecendo uma fase marcadamente atmosférica e orquestral.
Num concerto que teve a duração aproximada de um jogo de futebol e mais três prolongamentos, a banda navegou exemplarmente em modo greatest hits, tendo nas costas um cenário visual que se ajustava a cada uma das canções, espécie de videoclip emocional transmitido em directo através de um ecrã composto por cinco rectângulos verticais que ia mostrando, por entre túneis caleidoscópicos, Robert Smith (voz, guitarra), Simon Gallup (baixo), Reeves Gabriels (guitarra), Roger O’Donnell (teclados) e Jason Cooper (bateria).
A espaços tivemos alguns momentos menos conseguidos – a versão de “Boy’s don’t cry” soou demasiado pachorrenta -, mas o que imperou foram momentos a roçar o épico: em “Shake Dog Shake”, servido numa poderosíssima versão, assistimos nos ecrãs ao retrato dos Cure enquanto jovens, enquanto as luzes piscavam em modo strobe para nos conduzir a uma cave obscura de um bar de escada; em “One Hundred Years”, a guerra entra-nos olhos adentro e sempre a preto e branco, indo da guerra civil norte-americana ao cogumelo de Hiroshima, mas poderia ter seguido a cores percorrendo todas as calamidades que, desde então, o mundo já foi palco; “The Caterpillar” serve um coro exemplar, um daqueles momentos de celebração que os Arcade Fire não se importariam de juntar aos seus; “A Forest” vê um pavilhão inteiro a bater palmas de forma sincronizada, promovendo uma extended mix que poderia durar eternamente.
Em palco a dinâmica da banda continua incrível, como se, depois de tantos anos de estrada, ainda fosse possível viver momentos capazes de atirar com a idade adulta, o raio do IRS ou a multa por andar a 60 km numa zona de 50 km às urtigas. “Simply elegant“, canta Robert Smith em grande estilo e com a ironia estampada no rosto, como que dizendo que a elegância é um estado de espírito e que os The Cure a têm toda. A rematar ainda percorre o palco de uma ponta à outra, agradecendo os aplausos de forma chorosa, como uma cantora de ópera que sai de palco praticamente levada em ombros. Só faltou mesmo a merecida chuva de flores.
Fotos: Alexandre Antunes / Everything is New
Alinhamento:
Open
All I Want
Push
In Between Days
Pictures of You
The Hungry Ghost
A Night Like This
The Walk
Primary
Shake Dog Shake
The Blood
The Caterpillar
Lovesong
From the Edge of the Deep Green Sea
One Hundred Years
End
Encore 1
Step Into the Light
Want
Burn
Play for Today
A Forest
Encore 2
Fascination Street
Freakshow
Friday I’m in Love
Just Like Heaven
Boys Don’t Cry
Encore 3
Lullaby
Hot Hot Hot!!!
Let’s Go to Bed
Close to Me
Why Can’t I Be You?
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