Digam lá se já não tinham saudades: filas para estacionar, a bela da poeira a planar, andar à nora à procura do carro em parques que, quando cai a noite, parecem todos iguais, chegar a casa e ir à gaveta procurar por aqueles frasquinhos de soro fisiológico. O Super Bock Super Rock esteve de volta ao Meco e, no primeiro dia de festa, os Black Country, New Road assinaram um concerto belíssimo, mostrando que há vida depois do abandono Isaac Wood, co-fundador e vocalista.
Um abandono anunciado à banda cerca de duas semanas antes da saída de “Ants From Up There”, uma das grandes rodelas de 2022, e que obrigou estes “6 caramelos” – palavras carinhosas do maior fã da banda que descobrimos na primeira fila – a lutar pela sobrevivência, construindo um novo e belo país que começou a ser desenhado em “Live at Bush Hall”, disco de 9 temas gravado ao vivo e lançado já este ano, que foi praticamente tocado de uma ponta à outra no Meco.
Charlie Wayne, um dos membros da banda, havia já falado sobre a opção de fazer tábua rasa do passado recente: “Não me pareceu correcto tocar estas faixas. São canções que foram escritas por sete pessoas e foram feitas para serem tocadas por sete pessoas. Se não estivermos a tocar como sete pessoas, então não as vamos tocar. Continuamos a fazer música que soa a Black Country, New Road, que é tão forte como tudo o que tocámos anteriormente, só que é diferente. Não estaríamos a fazer estes espectáculos durante o Verão, se não tivéssemos confiança na música. As coisas que estamos a tocar são fantásticas”. E são mesmo.
O concerto abre com “Up Song”, cujo primeiro verso poderá ilustrar este olhar, não sem alguma comoção, para um passado que por agora é preciso esquecer: Look at what we did together – que, a dado momento, nos traz à memória os melhores tempos dos I`m From Barcelona, com um coro bem ensaiado.
“The Boy”, história em três capítulos sobre um rapaz que partiu as suas asas, tem no centro o acordeão e a flauta, uma falsa balada irlandesa que soa assim como se Bjork convidasse Shane MacGowan para uma voltinha à pista de dança. “24/7 365 British Sumer Time” poderia bem ser uma faixa esquecida num lado B dos The Divine Comedy, seguida de uma apresentação da banda muito sui generis, como se conduzida por um feirante já bem regado.
“I Won`t Always Love You”, bonita canção de (des)amor, arranca na solidão de uma guitarra acústica para prosseguir depois num ritmo vertiginoso, no que teria sido a banda sonora ideal para acompanhar Jack Kerouac pela estrada fora – ou, talvez, Hunther Thompson no seu périplo por Las Vegas.
“Vou tentar uma nova forma de colocar as mãos durante a próxima canção”, lança um divertido Lewis Evans antes de uma esmerada interpretação de “Across The Pond Friend”. “Laughing Song” transforma o caos em harmonia, como se, anos atrás, os The Fiery Furnaces tivessem descoberto a forma de domar a sua hiperactividade para criar a canção pop perfeita. “Nancy Tries To Take The Night” abre com uma dança entre guitarras e, aos poucos, convida a um abraço no escurinho com o embalo de uma opereta.
“Turbines/Pigs” arranca ao piano e violino, enquanto o restante quarteto se reúne num círculo íntimo, regressando pouco a pouco aos seus postos para prosseguir esta balada: primeiro, com a timidez da flauta; depois, com o embalo da tarola; e, por fim, com a entrada em cena das guitarras. Quando o violino entra em loop e a música de súbito explode, é como recuperar a excitação de “Funeral”, esse disco irrepetível dos Arcade Fire.
O tempo de despedidas acontece com o belíssimo “Dancers”, não sem antes terem direito a uma tremenda ovação, devolvida com uma mensagem que poderá ser um lema de vida: “Muito amor. Tomem conta uns dos outros”. Como é belo este novo país dos Black Country, New Road.
Notas breves
Talvez isto do estilo seja assim como andar de bicicleta: quem o teve à séria nunca o perde verdadeiramente. É o caso de Alex Kapranos que, 19(!) anos depois do memorável concerto no Sudoeste – na estreia em Portugal -, regressou com os Franz Ferdinand ao Super Bock Super Rock- e, tal como na Zambujeira, praticamente à hora do chá. Disparando hit atrás de hit, conseguiram cativar uma plateia que até nem estava para aí virada, com muito jogo de cintura, coreografias cirúrgicas e conversa animada, tendo mesmo dedicado, depois de um olhar para as primeiras filas, “Evil Eye” aos Offspring. Para o final ficou guardado o épico “This Fire”, no qual conseguiram sentar a plateia antes de uma grande ponta final. Mesmo sabendo de antemão como irá terminar, é sempre um prazer assistir a este filme.
Roísin Murphy havia deslumbrado na sua passagem pelo Kalorama em 2022, tendo o concerto no Meco ficado a uns bons centímetros de distância. Mostrando sempre uma relação apaixonada com a câmara, a cantora contou com um colectivo de fazedores de beats, maestros de uma festa onde não faltaram adereços para brincar, mudanças de outfit ou os clássicos dos Moloko – banda com quem Roísin esteve em 2004 também no Meco, num concerto onde, imagine-se, arriscou algo parecido a um stage diving. Aos 50 anos, Roísin Murphy continua a ser uma rainha na pista de dança.
Desta vez não foram atirados soutiens, mas a verdade é que os Evangelhos de Father John Misty continua a encantar os mais devotos, rendidos ao estilo profético e sensual deste pregador que, com pinta de rufia, vai pintando o amor com o pantone da ironia. Após um arranque tépido, Father John e a sua trupe de 9 beatos – que incluía uma secção de sopros – arrancaram para um concerto que só pecou por ser curto, e onde houve mais do que tempo para o humor sempre na mouche: “Que horas são? Uma da manhã? Estamos em Portugal, por isso ainda devem ter mais uns cinco concertos”. Depois de umas bênçãos dadas junto à grade, despede-se com uma vénia, o sinal da paz e um beijo. A haver terços à venda, Father John Misty despacharia o stock entre um Pai Nosso e uma Avé Maria.
Fotos:
Francisco Cabrita | World Academy (Franz Ferdinand; Father John Misty; Black Country, New Road)
Rita Duarte | World Academy (Black Country, New Road; Roísin Murphy)
Promotora: Música no Coração
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