A Esquire chamou-lhes “a banda de rock mais consistente do século XXI”. De facto, a fórmula dos Spoon pouco mudou na sua já longa carreira: temos a voz áspera do frontman Britt Daniel, guitarras angulares, uma bateria tipo relógio suíço e ritmos efervescentes e minimais, daí resultando uma saborosa receita indie-rock que parece simples (mas não é).
O nono álbum de estúdio, “Hot Thoughts” (Matador Records, 2017), não foge à regra – é um sólido edifício de rock. O característico som da banda de Austin está lá, focado, com todos os músicos a trabalharem na mesma direcção, ainda que este seja o trabalho mais “electrónico” dos Spoon até à data. “Soube desde o início que não queria canções acústicas neste disco, queria que soasse mais futurista, menos antigo” disse Britt Daniel em entrevista recente.
O álbum abre com o tema-título, uma pérola pop-rock que transforma tudo em percussão: os riffs de guitarra incisivos, as frases ritmadas de Britt, os sinos e as palmas, num crescendo hipnótico que nos leva a carregar no repeat vezes sem conta.
“WhisperI’lllistentohearit”, a segunda faixa, nasce em terreno mais electrónico, com o sintetizador em destaque. Depois entra em cena o baixo poderoso de Rob Pope, a fazer lembrar New Order. Segue-se a guitarra cortante, fanada aos Queens of the Stone Age, e o conjunto ganha velocidade e acelera o ritmo cardíaco. Como é típico dos Spoon, o tema é sucinto: acaba em alta, aos quatro minutos e vinte, e lá vamos nós outra vez ao botão do repeat.
“Do I Have to Talk You Into It” é um clássico instantâneo. A bateria certeira de Jim Eno – um elemento central nos Spoon desde sempre – e o piano irrequieto de Alex Fischel remetem para uns Nine Inch Nails mais garridos, numa cadência contagiante. Já “First Caress”, com um ritmo repetitivo a piscar o olho à pista de dança, não nos convence, e mais facilmente se apaga da memória.
A segunda metade do disco abranda o ritmo e torna-se mais mística, mais experimental: veja-se “Pink up”, que começa com uma intro elegante e contid, e desliza, líquida, pela noite dentro, como uma cobra ao luar. Há espaço ainda para infecciosas canções pop a pedir palminhas (“Can i Sit Next to You”), baladas inspiradas (“I Ain’t the One”) e declarações vagamente políticas contra Donald Trump (“Tear it down”).
O instrumental “Us” encerra a loja. É uma deriva jazzy, experimental, que nos leva a um bar em fim de festa, um saxofone solitário e nocturno que se estende por cinco minutos de lamentos (nota-se a influência de “Blackstar”, derradeiro disco de Bowie, de quem os Spoon são também herdeiros).
“Hot Thoughts” é um disco seguro, nem sempre brilhante, mas muito competente. Vive de uma cuidadosa atenção ao detalhe – vê-se que os músicos e o seu actual produtor, Dave Fridmann, são magos de estúdio. Não será a primeira vez que os Spoon se aproximam da electrónica (veja-se “New York Kids”, ou “Was it You?” de discos anteriores) mas, neste álbum, conseguem expandir a sua paleta sónica para territórios inesperados.
No dia 8 de Julho os Spoon actuam no palco secundário do NOS Alive, uma oportunidade para testemunhar ao vivo algo pouco habitual: uma banda com mais de duas décadas que mantém viva a capacidade de nos surpreender.
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