Amor, desilusão e lágrimas – estas palavras têm sido as pedras-de-toque nas canções de Sharon Van Etten, desde que a norte-americana surgiu no panorama musical em 2008 com o álbum “Because I Was In Love”. Van Etten tem a voz de alguém que passou por coisas menos boas nesta vida, em baladas que são por vezes páginas de um diário sofrido.
Há perto de cinco anos que Sharon não editava um disco de originais, mas a cantora tem-se mantido ocupada: neste entretanto compôs uma banda sonora, voltou a estudar (psicologia), estreou-se como actriz na série “The OA”, apareceu na nova temporada de “Twin Peaks” e ainda arranjou tempo para ser mãe pela primeira vez.
Este ano está de volta com um novo registo, “Remind Me Tomorrow” (Jagjagwar, 2019), onde se nota uma evolução em relação aos trabalhos anteriores. Cansada do tradicional registo “folk / indie-rock”, plasmado por exemplo no disco anterior “Are We There?”, Sharon rendeu-se aos sintetizadores e aos sons electrónicos, aliando-se ao produtor John Congleton, habitual parceiro no crime de nomes como St. Vincent e Angel Olsen.
“Um dos desafios foi o facto de ter escrito estas canções nas teclas, muito sintetizador,piano e orgão”, afirmou a cantora recentemente, o que “resultou num som mais sombrio e eu quis abraçar isso pela primeira vez”.
O primeiro single, “Comeback Kid”, já dava ideia de que vinha aí algo de diferente: um tema acelerado, galopante, onde Sharon dá voz à Debbie Harry que há nela, por cima de um ritmo propulsivo. O resto do disco carrega de negrume a paleta sónica da artista: o tema de abertura, “I Told You Everything”, começa com passinhos de lã, um piano minimal que, lentamente, dá lugar a um zumbido electrónico que introduz o primeiro beat irresistível do disco.
Segue-se “No One’s Easy to Love”, com Sharon a dissecar uma relação falhada sobre um som áspero – onde, ainda assim, pontificam as típicas melodias. “Memorial Day” é uma soturna procissão de espectros, mais um momento atmosférico carregado de negrume. As músicas mais banhadas em fuzz electrónico não chocam com o passado, antes revelam uma naturalidade desarmante – não são tipicamente Van Etten, mas não soam como mais ninguém senão ela. As melodias arrebatadas, típicas da cantora, adaptam-se bem a este novo contexto de teclas, linhas de baixo distorcidas e batidas electrónicas.
Depois há o absoluto triunfo que é “Seventeen”, uma balada à la Springsteen que se ouve como uma declaração de amor a Nova Iorque. Sharon reflecte sobre a mudança e conversa com uma versão de si própria de apenas dezassete anos, dando-se conta do quanto progrediu desde então.
Há ainda a assinalar “You Shadow”, canção gigante que se instala no cerebelo e não quer de lá sair, bem como a portentosa “Hands”, divagação gótica a evoluir em lume brando até ao ponto de ebulição.
“Remind Me Tomorrow” é um disco contaminado pela electrónica, mas não soa nada a música de dança. Representa um resoluto passo em frente para a cantora americana, a esbanjar confiança e estilo do princípio ao fim. É um álbum denso, pesado, uma demonstração de poder de uma cantora a atingir o seu pleno potencial.
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