O melhor do Super Bock Super Rock (SBSR) ficou mesmo guardado para o fim, e só pelo concerto dos Vulfpeck já teria valido a pena investir no bilhete diário. Mas nem só de escalas cantadas em coro se fizeram as despedidas do Meco: assistimos ao regresso de um dinossauro chamado Mind Da Gap, partilhámos a solidão eléctrica de Anna Calvi e fomos directos ao olho de uma tempestade chamada Stormzy.
Ficam os últimos postais de um festival que estará de regresso nos dias 17, 18 e 19 de Julho do próximo ano, ainda em parte incerta. Segundo Luís Montez, director da promotora Música no Coração, o festival regressará ao Meco “se as condições o permitirem”. Se tiver sido o último Meco, ainda vai bater aquela saudade do soro fisiológico no regresso a casa.
“Para quem não sabe, se não existissem estes três gajos aqui, ainda estávamos no tempo do bailinho da Madeira e das carroças de vinho. Peguem nos caderninhos e escrevam esta merda”. As palavras são de Ace, um dos três gajos que formam os Mind Da Gap – os outros dois são Presto e Serial -, banda portuguesa de hip hop com pronúncia do norte que, após nove anos de pousio, regressou aos palcos para uma tarde de celebração no Meco, voltando a analisar como o Freud e a cuspir linhas como “continuas com o sorriso amarelo como o queijo do Burger King”, servindo clássico atrás de clássico. Um concerto que merecia uma outra massa humana e espírito de festa, já que estes dinossauros foram sempre uma fonte de ironia, rimas certeiras e inspiração alheia. “Uma grande inspiração para mim e para todos nós”, disse Sam The Kid, quando já antes tinham subido ao palco Maze e Valete. Siga a rusga!
Se, em rodela, a música dos norte-americanos Vulfpeck já convida a um pezinho e meio de dança, ao vivo a coisa está ao nível de uma pista com bola de espelhos – a isso se juntando o espírito de festa da banda e o seu lado teatral e muito dado à comédia. Fãs da banda não faltaram, cantando as letras e, pasmem-se, gritando as escalas como se de hinos nacionais se tratassem, numa festa funk que é também qualquer coisa como jazz para as massas – e isto no melhor dos sentidos.
Há senhores falsetes, músicos a trocar de instrumento como quem joga à dança das cadeiras, anúncios ao estilo de uma feira a anunciar convidados, um tributo a todos os baixistas do mundo depois da ameaça de um “another one bites the dust” ou uma bola invisível, atirada do palco e defendida à Diogo Costa por uma fã dedicada. Soberbo.
Foi entre a excitação pós-Vulfpeck e o simples alheamento que Anna Calvi, uma espécie de OVNI no cartaz do SBSR, pisou o palco secundário. Um monólogo com muito de cinema negro e veia western de uma mulher à beira da electrocussão, fundida com a guitarra e dando ao indie-rock a solenidade de uma ópera. Mesmo que para poucos, Anna Calvi pregou um senhor evangelho.
“A nossa missão é esta, só têm de me dar um pouco de energia. Podem não me conhecer, podem não gostar de hip hop, mas vão lembrar-se disto daqui a 20 anos”. Quem o disse foi Stormzy, o rei do Grime britânico, que por entre colunas de fogo e explosões de fogo-de-artifício mostrou que com energia, atitude, entrega e uma comunicação umbilical com o público a surpresa pode acontecer. Há laivos de drum n bass, um coro feminino de excelência, músicas de salvação e imagens de páginas de livros com referências a racismo, num concerto que foi de grime mas teve a aura de uma celebração gospel. “É por isto que gosto tanto de música. Não digo isto como cliché, obrigado do fundo. Obrigado por terem ficado e não terem julgado”. Obrigado nós, Mr. Stromzy. Grande concerto.
Fotos:
Clarisse Verdade (Anna Calvi e Vulfpeck)
Catarina Almeida (Mind Da Gap e Stormzy)
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Promotora: Música no Coração
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