A notícia da morte de Prince apanhou toda a gente desprevenida. Não podia ser possível… ou podia? Afinal estamos em 2016, ano com um nível de mortandade ao nível de caras famosas que poderia ter sido calendarizado por George R.R. Martin. Assim, em vez de nos lamentarmos, mais vale celebrar a obra dos que partem. Portanto, que melhor forma de assinalar a morte de Prince do que recuperar “Purple Rain“, o filme que deu origem à banda-sonora que fez o Prince ser o que é hoje? Ou não, mas é mais fácil simplificarmos as coisas assim.
Enquanto documento histórico da cultura popular contemporânea, “Purple Rain” é um documento fundamental, que estabeleceu uns 75 por cento do conceito do que foram os anos 80: a música, mas também a moda, os penteados e o estilo. Musicalmente “Purple Rain” é igualmente importante, já que criou o que conhecemos hoje como o som de Minneapolis e que lançou as bases para tudo o que é r&b/funk/hip-hop e que ouvimos hoje em dia. Sem ele não haveria Timbalands, Justin Timberlakes, Neptunes, Outkasts, Alicia Keys ou Rhiannas (e a lista continua, continua….). Enquanto filme, bem… é uma bizarria kitsch, uma daquelas anormalidades que, de tão má, se torna boa.
“Purple Rain” criou um estilo muito próprio. Se fosse possível agarrar nos anos 80, amachucá-los numa bola e enfiá-la num DVD, o resultado seria este. “Purple Rain”, Prince, o realizador Albert Magnoli e, especialmente, a responsável pelo guarda-roupa, Marie France, criaram um monstro que cresceu e superou o próprio mestre, ao misturarem o estilo gótico com o kitsch e a androginia. Rendas, cabedal e plástico techtronic dão ao filme uma aura noir-xunga, ambientado em bares-disco manhosos de neons e becos escuros e fumarentos.
Apesar de ser uma espécie de biopic, “Purple Rain” não é, literalmente, sobre a vida de Prince. Aqui ele é Kidd, líder dos The Revolution, banda que luta com os seus rivais, os The Time, por um lugar ao sol no lendário clube First Avenue (que foi onde Prince se estreou). Paralelamente desenrola-se um sub-enredo com Apollonia (Apollonia Kotero), uma aspirante a cantora que chega à cidade para tentar a sua sorte. Já podem imaginar que vai ser disputada por ambas as bandas mas, apesar de levar chapadões do Prince em quase todas as cenas, ela acaba por escolhê-lo no final. Comparado com isto, a misoginia do Zé do Caixão parece uma comédia romântica protagonizada pela Julia Roberts.
Prince tem então que lidar com o facto de o público não entender a sua música e lutar contra o destino, que está a torná-lo igualzinho ao seu pai, que também espanca diariamente a mulher- é verdade, Prince vive ainda com os seus pais, algo perfeitamente normal numa estrela rock. Acaba então por compor uma super-música que, no final, vai unir toda a gente, redimir os erros da malta e lavar os pecados atirando-os pela pia abaixo. A sorte de “Purple Rain” é que a música é realmente boa e, no final, quase conseguimos esquecer a inexistência de um argumento coerente, a mensagem moral pointless e o aspecto kitsch de todo o filme.
Quem costuma perder tempo com a VH1, já viu praticamente o filme todo, uma vez que os telediscos das músicas da banda-sonora são os pedaços do filme, como “Purple Rain”, “When Doves Cry” ou “Let’s Go Crazy”. O resto é preenchido com penteados maus, fatiotas ainda piores e representações ao nível de um teatro de escola. Tão mau que se torna bom.
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