Aquele momento em que, instantes antes do longuíssimo “Tender”, Alex James decide arrastar um banco para se sentar, de cigarro na boca, na companhia do seu baixo, diz tudo: os Blur estão confortáveis com o facto de terem já, neste seu último regresso, mais de cinquenta anos no pêlo de cada um.
Dias antes do concerto da banda britânica no Primavera Sound Porto 2023 (10 Junho), Damon Albarn dizia numa entrevista que, no concerto de Madrid, tinha saltado de uma forma que julgava já não ser possível para as suas costas, algo que o médico lhe desaconselharia veementemente. Repetiu-o no Porto e, até ver, nem sombra de lesões.
Este é, sem dúvida, um bom momento para se ser fã dos Blur. A tour está a ser um arraso, os fab four andam a divertir-se à grande e há também um novo longa-duração a caminho: “The Narcissist”, o primeiro single a rodar, é já uma das canções pop do ano – uma que os Beatles poderiam ter escrito se a sua história tivesse prosseguido.
Formados por Damon Albarn, Alex James, Graham Coxon e Dave Rowntree, os Blur são uma banda fora do comum. Para além de manterem a mesma formação desde 1988, decidiram, a partir de 2003, ir tirando férias de longa-duração uns dos outros, dedicando-se a projectos paralelos – musicais ou não -, à família ou, simplesmente, a recuperar alguma da sanidade mental perdida na estrada. Mas, mais importante e relevante do que tudo isto, os Blur são a banda que melhor tem acompanhado o embalo e os solavancos do mundo, tanto em termos sonoros como, sobretudo, ao nível da escrita de canções – a sua discografia fala por si. Depois de todos estes anos, não deixa de ser emocionante que nos sirvam uma canção como “The Narcissist”, um confronto com o espelho que mostra que há ainda muito a esperar destes quatro brits.
Para além de fãs de longa data, as filas da frente do Primavera da Invicta contaram com muita juventude, que foi cantarolando do primeiro ao último verso um bem escolhido best of – um dos jovens na grade tinha tatuado, num dos braços, o mítico título servido em 1993: modern life is rubish. Sinal de que a música dos Blur, longe de soar datada, é um cancioneiro indie-pop para os dias de hoje, um tratado musical onde cabe a crítica social, a ironia ou, simplesmente, a alegria de viver, sem os vulgares pedantismos das estrelas pop.
Damon Albarn deu-nos o seu melhor olhar de quem anda à procura de armar sarilhos, e até trouxe a melhor indumentária para tal – o casaquinho com um toque de Laranja Mecânica que alternou com um fato que poderá ter sido feito à medida. Elogiou os fãs, deu graças por todos estes anos, desceu à grade para uma breve confraternização e, durante todo o concerto, foi tratando de incentivar à turba, fazendo deste um concerto épico que ficará para a história do Primavera. Se o mundo tiver de terminar um dia, que seja ao som deste verso: Woo-hoo.
Nota breve
Antes do arranque do Primavera Sound Porto 2023, escrevemos isto em jeito de antecipação: “É uma daquelas bandas que, por detrás da sua formação, contam uma história capaz de servir de argumento a uma curta-metragem: quando ouviu “Electricity”, tema dos Orchestral Manoeuvres In The Dark, a rolar nas colunas do carro de seu pai, Richard Devaney teve uma epifania, concluindo que não fazia sentido ter uma banda se nela não incluísse um teclista que gostasse tanto de synth-pop quanto ele. Atirou com os The Static Jacks, a sua anterior banda de rock, às urtigas e, juntamente com o baixista Michael Sue-Poi, partiram para encontrar alguém que pudesse trazer o brilho indie dos anos 80 para um teclado. Aidan Noell entrou em cena e, desde 2016, os Nation of Language já nos ofereceram dois esmerados longas-duração, mergulhando numa era em que não viveram com um olhar contemporâneo. Pode bem ser um dos grandes concertos do Primavera.” E não é que foi mesmo? Que regressem brevemente e em nome próprio.
Fotos: Hugo Lima
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