É difícil escrever sobre “Beneath The Eyrie” (BMG, 2019), o novo disco dos veteranos Pixies, sem tombar no poço fundo do contexto: trata-se da banda que, praticamente, inventou o rock alternativo, conquistando a glória com cinco discos formidáveis, editados entre 1987 e 1991. Quando surgiram, soavam diferentes de todas as bandas da época. Quatro anos depois, quase todas as bandas soavam- ou queriam soar – como eles.
A sua música uniu a melodia ao noise, o suave ao estridente, os gritos dementes de Black Francis à voz açucarada de Kim Deal, a guitarra áspera de Joey Santiago às batidas robustas de David Lovering: todas estas dinâmicas fizeram deles uma das bandas mais influentes de sempre – geraram ondas de choque na paisagem musical que duram ainda hoje.
Como qualquer banda lendária que tenha saído da cripta para uma nova vida, os Pixies enfrentam um desafio: como viver com a herança das glórias passadas, em eterna comparação com o trabalho mais recente? O colectivo tem tentado responder com música: primeiro com Indie Cindy, em 2013, já sem a icónica baixista Kim Deal, depois com Head Carrier, em 2016. O resultado foram dois discos recebidos de forma algo morna por crítica e público.
“Beneath The Eyrie” é, então, o terceiro tomo da nova vida da banda. Um álbum tomado por assombrações, feitiçarias e espíritos malignos: o negrume reflecte situações recentes na vida dos músicos, de casamentos desmoronados a curas de desintoxicação. Nada de novo, no coração da música dos Pixies sempre estiveram as trevas.
“In The Arms of Ms. Mark of Cain” dá o mote com as teclas soturnas, aliadas a uma batida galopante. A voz de Black Francis joga com a da baixista Paz Lenchantim, que ocupa pela segunda vez o lugar deixado vago por Kim Deal. Lenchantim é uma das forças deste disco: participou na composição do disco e parece perfeitamente entrosada na banda. A sua força tranquila encaixa na perfeição com a energia nervosa do vocalista.
“On Graveyard Hill” é Pixies clássico, um distorcido hino punk que fala de sedução, com bruxas e feitiços à mistura. Segue-se “Catfish Kate”, uma mistura de grunge com folk onde há uma mulher envolvida numa luta de morte com… um peixe – surrealismo e power-pop a rodos num tema viciante.
A agressividade do anterior “Head Carrier” surge mais domada neste disco: há um tema que parece saído da pena de Tom Waits – “This Is My Fate” -, outro que vai beber a Nick Cave – “Bird of Prey”. Há ainda o surf-rock de “Long Rider” e o tex-mex atmosférico do épico “Silver Bullet”, um dos melhores temas.
“St Nazaire” lembra o lado mais ameaçador e destravado da banda de Boston, antes da balada psicadélica “Daniel Boone”, que não ficaria mal na voz de Kurt Vile, e do macabro “Death Horizon”, que encerra o disco.
É provável que os Pixies não consigam fugir à sombra do seu passado mítico, sendo difícil chegar novamente ao quilate de diamantes como “Tame” ou “Where Is My Mind”. Dito isto, “Beneath The Eyrie” é o disco mais consistente e inventivo da sua história mais recente – mostra uma banda confortável, confiante e virada para o futuro, bem como em paz com o seu passado.
Os Pixies têm concerto marcado no Campo Pequeno, no próximo dia 25 de Outubro, com a primeira parte a ser assegurada pelo duo inglês Blood Red Shoes, naquele que se adivinha como um espectáculo imperdível.
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