Para muita gente, o jazz é música de fundo – soa quase sempre ao mesmo, ouve-se bem num café ou num bar, mas não provoca grande entusiasmo. Existem algumas razões para este preconceito: nos últimos 20 anos, o jazz como género não soube encontrar os favores do mercado mainstream. Também não conseguiu conquistar, de forma eficaz, o público mais jovem. É um género algo perdido entre dois estrangeirismos: o easy listening e o avant-garde.
É neste contexto que se chama o saxofonista Kamasi Washington ao barulho. Kamasi foi um dos músicos que ajudaram a moldar o marcante disco de Kendrick Lamar, “To Pimp A Butterfly”, em 2015. Tem credenciais firmadas no hip-hop: tocou com Snoop Dog, Nas, Chaka Khan e Lauryn Hill, entre muitos outros, e grava na editora de Flying Lotus, a Brainfeeder.
É, por isso, paradoxal que o seu admirável disco de 2015, “The Epic”, não tenha um pingo de hip-hop, parecendo antes apaixonado pelo passado glorioso do jazz clássico. Kamasi está especialmente bem posicionado para atrair a atenção de públicos antes pouco interessados no género.
“É verdade que por vezes vêm ter comigo pessoas que dizem ter começado a gostar de jazz ouvindo-me, mas isso é porque tinham uma ideia deturpada do jazz”, disse numa entrevista recente. “De qualquer forma jazz é apenas uma palavra. A música que tocamos vai para além dessa palavra que acaba por ter um valor muito diferenciado de pessoa para pessoa”.
“The Epic” não tem esse nome por acaso: disco triplo, com quase três horas, contou com uma banda de dez músicos, uma orquestra de 32 pessoas, um coro de 20 vozes e a presença magnética do afro-místico Kamasi. Lá dentro pairam ainda os fantasmas de Miles Davis e John Coltrane, bem como um acumulado de influências que vão do funk à soul, passando pelo gospel e até pela música clássica.
Num época dominada pelo excesso de oferta e pelo défice de atenção, é difícil imaginar alguém a esticar-se no sofá para ouvir um triplo álbum de 172 minutos. Mas, quer se consuma canção a canção, disco a disco ou como um colossal banquete musical, Washington fez um álbum épico sob todos os prismas, capaz de desatravancar o caminho para o jazz.
É este trabalho impressionista e extravagante que Kamasi vem apresentar, pela primeira vez, a Portugal – a 6 de Junho toca na Casa da Música, no Porto e, no dia seguinte, no Teatro Tivoli de Lisboa.
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