Na abertura do NOS Primavera Sound, o Porto abençoou os festivaleiros com o seu melhor e mais característico cartão de visita: a “morrinha”, aquela precipitação mínima porém persistente que, sem molhar muito, também não deixa nada nem ninguém completamente seco.
O recinto, invulgarmente cheio para um primeiro dia, talvez tenha no feriado nacional que se seguia a explicação para a gigante mole humana que acorreu ao Parque da Cidade. Ou há mesmo uma massiva base de fãs de Sigur Rós por aqui, de que eu não tenha conhecimento. Considerações à parte, é já oficial que foi o dia de abertura mais concorrido da curta história do festival portuense.
A banda islandesa foi a protagonista do noite, para fãs e não-fãs (grupo no qual este vosso escriba se inclui). Esperançado numa actuação deslumbrante, que me fizesse esquecer a estridência da voz de Jón Þór Birgisson ou a dolência arrastada das músicas do seu repertório, apresentei-me como um bravo em frente ao palco para a prova dos nove. E não é que me surpreendi?
O repertório foi diverso, percorrendo toda a sua carreira de quase duas décadas. Não me peçam para soletrar letras ou identificar com rigor as músicas, porque a linguagem por eles inventada, somada à minha ignorância da mesma e de outros assuntos relacionados, torna impossível tal desiderato.
As projecções que serviram de cenário ao espectáculo eram fantásticas, contribuindo para a criação de uma ambiência verdadeiramente imersiva e envolvente. As imagens nos ecrãs, compostas sobre a filmagem em tempo real dos músicos, emulavam a sua dissolução em partículas mínimas que voavam com o vento, talvez em direcção ao público, que não arredava pé e bebia cada palavra e acorde. Fiquei fã? Ainda não, mas com vontade de (re)descobrir o que me possa ter escapado na sua discografia.
Depois de ainda acompanhar o final do alinhamento dos Wild Nothing no Palco Super Bock, com a sua sonoridade a dever tanto a The Cure e seus sucedâneos, esperavam-me os Deerhunter no palco principal. Para variar das suas aparições públicas mais recentes, foi um concerto impecável, quer no alinhamento quer no som cuidado que vinha do palco.
Bradford Cox, extremamente bem disposto e comunicativo, foi a mascote do grupo, juntamente com um peluche de uma cabrinha que fez as suas delícias e depois compareceu religiosamente nos restantes concertos do dia. Cabrinha a mascote do NOS Primavera Sound já!
“Coronado” não constou do alinhamento, mas Halcyon Digest esteve bem representado com as excelentes “Revival”, “Helicopter” e em especial “Desire Lines”, a penúltima do alinhamento e um dos grandes momentos de ontem, rivalizando apenas com a excelente “Cover Me (Slowly)”, interpretada com toda a distorção e piscadelas de olhos ao shoegaze possíveis, sacando novo trunfo de uma bela mão, que foram jogando com toda a calma do Mundo. Fecharam a actuação com uma versão bem esgalhada de “Snakeskin”, do mais recente Fading Frontier (4AD, 2015), deixando a sensação de que um encore caía mesmo bem.
Julia Holter nas teclas, acompanhada de bateria, violino e contrabaixo, deixou uma boa impressão no Palco Super Bock. O álbum Have You In My Wilderness (Domino, 2015), feito de momentos de pura beleza e sensibilidade, ficou demasiado aquém para o palco de um festival com a dimensão do NOS Primavera, servindo de mero musak para o convívio animado que lotava o espaço diante do palco, entre passas apressadas regadas a Super Bock e bocas sobre tudo e nada. Um espaço mais intimista e controlado fará as delícias de qualquer amante da sua boa música.
O melhor da noite chegou com o início do dia da Pátria. Os texanos Parquet Courts, com o seu rock pincelado de punk e da melhor safra das últimas décadas nesta área, teve o público na mão durante todos os segundos da sua intensa actuação. Já ia avisado, mas confirmar in loco faz toda a diferença.
Pensem nuns Queens of the Stone Age sob o efeito de um Xanax, num Joe Strummer com a cabeça (ainda mais) umas décadas à frente, num Sid Vicious sem tendências suicidas ou num Lou Reed que soubesse efectivamente tocar guitarra e ficam com uma ideia aproximada da sua sonoridade. E daí talvez não.
Não se via vivalma quieta e silenciosa, mesmo nas músicas aparentemente mais calmas como “Berlin Got Blurry” do mais recente Human Performance (Rough Trade, 2016), o centro de todo o alinhamento. Tudo soava estranhamente novo e familiar, por vezes na mesma música, o que, a juntar a um desempenho sem falhas e pleno de urgência e electricidade quase palpável, foi receita certeira para tomar todos de assalto.
Os alucinatórios Animal Collective vieram com desenhos chanfrados, totens estranhos e projecções com todo os espectro de cores disponível à retina humana, demostrando que Painting With é perfeito para os grandes espaços abertos, comunitário e unificador, como tão raramente hoje a música do género mais electrónico é capaz (EDM não é electrónica na minha cabeça…). “Floridada” foi a perfeita estocada final para uma tourada sónica épica servida pelo trio americano, aqui acompanhado por uma bateria.
A noite seguiu para o Palco Pitchfork, onde se esgotaram as forças que ainda restavam, com Red Axes e John Talabot e sus muchachos.
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Fotografias: © NOS Primavera Sound / Hugo Lima |www.hugolima.com | www.fb.me/hugolimaphotography
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