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NOS Alive 2024 (11 Julho): ladrões esmerados, diva de cabaret e um Voldemort estranhamente bem disposto

Por Pedro Miguel Silva · Em 16/07/2024

O Passeio Marítimo de Algés recebeu, entre os dias 11, 12 e 13 de Julho, mais uma edição do NOS Alive – a 16ª -, festival urbano que encarna, de múltiplas formas, o espírito de uma animada feira popular: há uma rua ao estilo do Potteriano Diagon Alley, trocando as vassouras e os chapéus bicudos por glosses e equipamentos desportivos; há pinturas de rosto suficientes para celebrar uma Comic Con, feitas em stands de automóveis ou num lugar que anuncia a improvável e cinéfila parceria entre Wolverine e Deadpool; há filas intermináveis para brindes, que vão da borrachinha que não pode faltar num encontro escaldante a uma loção para uma pele que se quer bem cuidada; e há, claro, música para todos os gostos e estados anímicos, num festival que continua a contar com uma organização de se lhe tirar o chapéu. A edição de 2025 irá realizar-se nos dias 10, 11 e 12 de Julho e, por aqui, deixamos apenas um disco pedido: Billie Eilish.

Segue-se uma visita pouco guiada à edição de 2024, servida em postais de poucas linhas, começando pelo dia que nos trouxe ladrões esmerados, uma diva de cabaret e um Voldemort estranhamente bem disposto.

Uma banda de covers? Uma audição para o Got Talent? Uma tarde de karaoke que deu para o torto? Nenhuma das três. Na sua passagem pelo NOS Alive, os Unkown Mortal Orchestra, banda que em dado momento muitos acreditaram que iria ser grande, confirmaram que o que acontece em disco fica em disco, oferecendo um concerto estático que andou a milhas do que fomos escutando nos headphones. Fraquinho.

Poderia bem ser o título de um livro candidato ao Booker, ou um vencedor indiscutível do National Book Award: Nothing But Thieves. A ironia é que a banda britânica, seguindo os apurados instintos Tarantinianos, deita a mão a tudo o que consegue agarrar, vislumbrando-se no seu rock directo e muito dançável o balanço pendular dos Muse ou o falsete de Jeff Buckley. O vocalista Conor Mason tem uma amplitude vocal considerável, não faltando pantones musicais variados que concorrem com a gata-de-nove-vozes Aldous Arding. Nesta colectânea de short stories, escrita na “Dead Club City” e redondezas, houve tempo para um mash up de riffs ou uma cover de “Where Is My Mind”, dos Pixies. Que todas as horas do chá pudessem ser assim.

Dizem as más línguas que, perante a hipótese de tocar no Palco Heineken, Benjamin Clementine torceu o nariz e chutou a ideia para canto. Um erro de palmatória, uma vez que a criação de intimidade no Palco NOS apenas está ao alcance de… bem, de ninguém. Na companhia de uma secção de cordas, dois Men in Grey e uma percussionista que se atirou com alma a um bombo três vezes maior do que ela, Clementine arrancou para uma primeira hora de sonho, com esmeradas versões electrónicas ao encontro da vibe de “And I Have Been”, disco de 2022 lançado na sua própria editora. Nos temas mais calmos, onde se sentou ao piano ou carregou a guitarra em braços, tentou quebrar a apatia geral numa versão de “Condolence”, experimentando cantar o título em português – não correu bem. Descalço, de calças azeitona e blazer sem camisa por baixo, partilhou o seu orgulho do estado solitário, como que querendo dizer que a caixa de cartão será sempre o seu lar. Em terra de selfies e indiferença, da qual saiu quase à francesa depois de lhe terem recusado um último tema, Benjamin Clementine não foi definitivamente rei. Ficam umas palavras de consolo, sacadas ao seu próprio repertório: Be happy. Things happen for a reason.

E eis que, qual Voldemort apanhado por uma sacada de cogumelos mágicos, Billy Corgan surgiu abençoado pela boa disposição e uma voz no ponto de ebulição, liderando os Smashing Pumpkins num concerto que prometia ser grande até ao momento em que tivémos de apanhar o comboio para a Austrália – culpa dos Parcels. Houve tempo para escutar uma inventiva cover de “Zoo Station” (U2), uma versão imaculada de “Today” ou uma apresentação de Corgan em bom português, que nos leva a crer que andará a aprender umas coisas no Duolingo. Ou, ainda, para uma troca de mimos com James Lha, tentando recordar uma anterior passagem por Portugal, que meteu chuva e touros. No próximo Halloween, estas abóboras ainda vão estar no ponto.

A final do Euro estava a três dias de distância e, fazendo bem as contas, a Austrália até se encontrava fora de pé, isto porque o Euro não oferece as mesmas benesses da Eurovisão. Seja como for, a 30 segundos da contagem decrescente que ia sendo projectada no ecrã do Palco Heineken, os Parcels reuniram-se para uma roda de incentivo, momento motivacional para o que iria ser uma hora de desbunda total. Nas três anteriores visitas a Portugal, souberam adaptar-se aos horários e aos lugares. No Super Bock de 2018, num fim de tarde debaixo da pala que serviu de casa portuguesa na Expo 98, apresentaram-se como “uma boys band para quem a praia seria pôr as adolescentes a sonhar com um amor de Verão, que na certa acabaria com lágrimas e um desarranjo na maquilhagem” – como escrevemos então; no ano seguinte partiram à conquista de Coura, tendo deixado estas palavras nas redes depois de um concerto que ficou para a história do festival: “Portugal. Wow. We never expected that. Last night was one of the most beautiful sixty minutes that we’ve ever shared. A million thanks and all our love. X“; já em 2022, no palco secundário mas cheio de sentimento do NOS Alive, separaram definitivamente as águas. “Se, para alguns, a ideia de ter uns rapazes brancos a arrasar no funk recorda um pouco aquele anúncio do restaurador Olex, hoje um marco revisionista do racismo publicitário – “Um preto de cabeleira loura ou um branco de carapinha não é natural, o que é natural e fica bem é cada um usar o cabelo com que nasceu” -, outros olham para estes rapazes australianos, com ar de quem acabou de enfiar as pranchas na carrinha para ir apanhar umas ondas, como gente capaz de pôr até mesmo a Manuela Ferreira a dançar, com um top revelador, em cima de uma coluna”. Agora, no mesmo cenário de 2022, trouxeram-nos o melhor dos mundos que serviram em dois discos de gravações ao vivo: a mestria e a dedicação à vida de estúdio e a vertigem das actuações a desoras, em mais um momento de loucura num país que os decidiu adoptar como reis da pista de dança. “Deve ser da água”, atira o baterista Anatole “Toto” Serret, antecipando que no final iriam regressar a casa com o sentimento “we did it again” – e não é que acertou? Que possam regressar ao burgo tantas vezes quanto os The National.

Em 2022, numa das noites em que passaram pelo Campo Pequeno, escrevemos isto: “Se, por distracção dos seguranças ou puro engenho de penetra, alguém entrasse no Campo Pequeno na noite de 23 de Setembro sem saber ao que ia, juraria mais tarde aos amigos ter aterrado numa homilia de uma daquelas estranhas igrejas, onde paralíticos saltam da cadeira de rodas enquanto estrebucham um sentido Aleluia”. 18 anos se tinham passado desde a edição desse monumento chamado “Funeral” e, por essa altura, já muitos críticos e fãs lhes tinham virado costas. Os primeiros, depois da edição de “Reflektor” e do que se seguiu daí para a frente; os segundos, depois de Win Butler – o vocalista – ter sido acusado de abusos sexuais, admitindo pelo caminho um adultério de longa duração a Régine Chassagne, mulher com quem partilha casa e banda. Pelo caminho ainda perderam Will Butler, que se fez à vida e tem andado por aí na companhia das Sister Squares – com quem irá actuar na edição deste ano do Super Bock Super Rock. Não sabemos se, depois do quase fim do mundo, o casal decidiu dar tudo na terapia conjugal, mas a verdade é que as canções dos Arcade Fire se tornaram maiores do que eles próprios – um pouco como acontece com os livros após verem as luzes da edição, tornando-se criaturas de papel com vida própria. Houve confetes, bola de espelhos e um alinhamento que não falhou uma, numa noite que os fãs da banda irão guardar na gaveta das boas memórias. A energia e o espanto já não são os mesmos, mas ainda há lenha suficiente para manter a fogueira a crepitar.

Uau. Que concerto o da diva Jessie Ware, que merecia ter saído desta edição do NOS Alive coroada Rainha das Pérolas e Lantejoulas. Na companhia de dois dançarinos que pareciam acabados de regressar da marcha Pride e duas coristas com estilo para dar e vender, Ware deu tudo num cenário de cabaret de luxo, com direito a coreografias esmeradas, aulas de dança e uma descida à grade onde se viu ganfada por um fã em delírio, enquanto nos oferecia uma versão prendada de “Believe”, o hino nacional do planeta Cher, tudo antes do remate final com “Free Yourself”, tema do imperdível álbum “That! Feels Good!”. Como diria Jack Nicholson, foi as good as it gets.

—

Fotos

Eduardo Filho (Unknown Mortal Orchestra)
José Fernandes (Nothing But Thieves)
Matilde Fieschi (Benjamin Clementine)
João Silva (Smashing Pumpkins)
Rita Seixas (Parcels, Arcade Fire e Jessie Ware)

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Pedro Miguel Silva

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