Em dia de fecho do NOS Alive, enchemos os bolsos de migalhas e fizemos do Palco Heineken a nossa casa de doces, assistindo aos concertos de Angel Olsen, Tash Sultana e Rina Sawayama. Como diria a minha tia lá de cima, três mulheres do norte.
Estão familiarizados com aquela expressão popular do boi a olhar para um palácio, apontando à sua incapacidade de se deslumbrar perante o belo? Pois bem, foi um pouco assim o concerto de Angel Olsen onde, a certa altura, deu a ideia de estarmos entre uma manada que havia escapado, sabe-se lá como, a um infortúnio chamado Ovibeja. Dica para a próxima edição: montem um pavilhão extra, encham-no com uns brindes porreiros e, como quem não quer a coisa, ofereçam aulas de formação cívica, a ver se a cultura musical – e o saber estar – sobe uns degraus no ranking Aliviano.
O cenário era todo ele primaveril. No ecrã, um travelling cinéfilo convidava a um passeio por entre uma serra florida, numa visita que contou com a apresentação da caminhante Olsen, que juntou sempre algum humor a uma country planante que, quando é preciso, não tem medo de sujar a roupinha: “Vocês vêm cá todos os anos? Vamos tocar algumas canções calmas e outras barulhentas, por isso lidem com isso”.
A certa altura, pairou no ar a sensação de novidade. “Senti-me inspirada ontem à noite, e pensei que poderia tocar uma canção que nunca toquei. Amo Portugal, quem não?”. Puro gozo, a faixa inédita era afinal “Shut Up Kiss Me”, um dos hinos maiores de Olsen, que logo a seguir repete a gracinha para apresentar “Give It Up” – “Esta escrevi-a hoje”. O sorriso que, entre canções, ia mostrando apesar do burburinho, garantiu-lhe a faixa Miss Simpatia NOS Alive.
A banda que acompanhou Olsen, constituída por baixo, guitarra, bateria e teclado, esteve em grande apesar de permanecer na sombra, como em “Go Home”, tema do recomendado “Big Time”: a caixa de ritmos marca a passada, Olsen navega no limite do sussurro e a banda acompanha esta falsa valsa, onde Olsen arrisca uns passos de dança para espantar o negrume: “I`m dancing baby, But I feel like dying”.
Há ainda tempo para “Sister” – “uma antiga, tem 25 minutos”, brinca – e, na despedida e já sem a banda, arriscar “I`ll See You Tonight”, que deixa a meio percebendo que o clima não estava favorável a um romance de fim de tarde.
Horas depois, numa tenda onde não cabia nem mais uma passa, Tash Sultana chegou para nos oferecer uma actuação musculada em três actos, onde se dividiu entre precussão, sopros, cordas e tudo aquilo que possam imaginar, construindo camadas sonoras atrás de camadas sonoras numa viagem entre o reggae, a house music, o jazz clássico e de improviso, o RnB ou a música pop. Dêem para a mão desta miúda dois paus de gelado, três caricas e um rissol e, muito provavelmente, descobrirá forma de construir um instrumento musical.
No ecrã, uma filmagem frontal ia dando conta da azáfama vivida por Tash Sultana, alternada com fundos mais ou menos difusos por onde passavam cogumelos-joaninha com garfos pronto a comer, templos aztecas semi-abandonados, um túnel cravejado de jóias com uma espiral a prometer festa até às tantas, olhinhos com rodas dentadas no lugar de pestanas ou florestas dadas ao encantamento.
Pelas mãos e lábios de Tash Sultana passaram saxofone, trompete, teclados, flauta e muita precussão, trabalhados com mestria através do gravador de pistas e construindo canções a que juntava a voz. Sobretudo no segundo acto, quando teve a companhia de uma banda – teclados, baixo e bateria -, o que lhe permitiu viajar pelas malhas de um jazz com um certo toque de improviso, percorrendo as cordas de guitarras acúsiticas e eléctricas – talvez o instrumento onde se sinta mais em casa, e de onde arrancou solos incríveis. Aliás, este foi um concerto onde parecíamos ter aterrado na sala de estar de Tash Sultana, que se entretia a mostrar-nos todos os seus brinquedos. A comunicação com o público foi feita, sobretudo, da troca de olhares e de saudáveis provovações, como quando trazia o micro para a frente do palco e, fazendo conchinha ao ouvido, pedia em surdina uma ovação – teve-as várias e ruidosas. Terminou como se tivesse saído de uma sessão extra de krava maga: deitada de costas, exausta e transpirada, com o mundo a seus pés. Enorme concerto.
Inesperado foi talvez o concerto da cantora, modelo e actriz nipo-britânica Rina Sawayama, alguém que iniciou a carreira musical depois de se ter formado na Universidade de Cambridge em 2012. À boleia de dois discos de estúdio – “Hold The Girl”, de 2022, foi eleito pelo NME como o “melhor álbum pop britânico do ano” -, Rina Sawayama mostrou-nos a sua particular visão de uma noite passada em lume brando no Inferno de Dante.
Duas dançarinas fizeram-lhe companhia, com quem combinou um outfit que parecia estar entre um pijama com folhos, uma camisa de forças desenhada por Gautier e um fato desafiante para um baile de finalistas. “Já repararam como muitas pessoas se safam sempre com um pedido de desculpas?”, diz a certa altura, pouco tempos antes de um espécie de tapumes cairem para revelar uma banda composta por bateria e guitarra. O outfit algo conservador não foi feito para durar, dando lugar a uma travessa lingerie vermelha encimada por um belo chapéu, num percurso inverso do convento para o cabaret.
A produção foi esmerada, casando na perfeição as coreografias, os diálogos e toda a encenação teatral com as muitas projecções que iam passando na tela de fundo, desde céus em fogo, capas de revista, mapas do metro, prenúncios de tempestade ou a construção de templos em fogo. Houve ventoinhas ligadas no máximo, canções sobre “touching yourself” ou um final a dar para o épico, numa noite em que a Broadway esteve sob a direcção de um diabo que veste Prada. “This Hell is better with you”, Rina Sawayama.h
Fotos: Hugo Macedo/ NOS Alive
Promotora: Everything is New
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