Para quem, no dia 6 de Julho, estivesse em jeito de passeata para os lados do Passeio Marítimo de Algés, seria impossível não dar com aquele logótipo, que poderia bem ser um restyling da Cruz Vermelha Internacional. Depois de uma passagem pelo SBSR no ano de 2017, os Red Hot Chili Peppers regressaram a Portugal e, desta vez, trouxeram ao Nos Alive um deus da guitarra chamado John Frusciante.
No mundo do futebol, seja por questões de reforço da moral ou de afago de egos e vaidades, não é raro ouvir-se dizer que vai jogar aquele tipo e mais 10. No caso dos Red Hot, talvez seja exagero dizer que são Frusciante e mais 10 – ou, neste caso, mais 3 -, mas ver Frusciante em palco é como entrar a bordo de um DeLorean e regressar aos fervilhantes anos 1990, ao momento em que, depois do lançamento de “Blood Sugar Sex Magik” (1991), os Red Hot eram a banda cool que tanto betos, surfistas, metaleiros ou indies – uma categoria ainda por nascer – ouviam.
Frusciante, com o visual de um Eddie Vedder na cada dos vintes, é um retrato vivo do grunge, seja pela forma como arranca as notas da guitarra ou aquela voz que, entre os coros e a linha da frente – foi ele que cantou “Dreamboy/Dreamgirl”, numa versão que ganharia os Ídolos de qualquer terreola -, soa assim como se os Alice in Chains estivessem vivos e de boa saúde.
Já Anthony Kiedis é uma ilha-prisão, focado em manter a afinação, pouco comunicativo com a banda e o público. O restante trio vai-se encontrando de vez em quando, sobretudo nos diálogos acesos entre a guitarra de Frusciante e o baixo de Flea – como naquele momento de improviso que antecedeu o clássico “Californication”. Um set curto e que passou ao lado de uma série de clássicos, mas que valeu por nos ter trazido o Maradona das guitarras.
Notas breves
O furacão indie baptizado como Spoon passou pelo Alive quando já passava da uma hora da manhã, naquele que poderá bem ter sido o grande concerto deste primeiro dia. À boleia de “Lucifer On The Sofa”, o 10º disco de estúdio gravado por inteiro na sua cidade natal – Texas – em tempos de confinamento e mais além, os americanos percorreram alguns dos seus maiores êxitos, provavelmente conquistando novos fãs que se terão perguntado quem eram aqueles tipos com o raio utilizado pelo Flash atrás deles. Britt Daniel saiu de palco visivelmente satisfeito, batendo com o punho no coração como se tivesse ganho uma medalha olímpica. Por aqui, entreguem-lhes a taça.
Os Deolinda e o Conan Osiris entram num bar e… Não será tanto assim, mas há um certo encontro entre a tradição de pelo na venta dos Deolinda e o poder de explosão de Conan Osiris na música de Ana Lua Caiano. No palco WTF Clubbing, o poder foi entregue à palavra, em versos repetidos como mantras e envolvidos em camadas de loops, retalhos de teclados, sobreposições vocais e batidas tiradas com baquetas que pareciam de brincar. Nesta música tanto cabe um rancho minhoto numa dança circular como uma batida tribal, que descobriríamos num disco de trance descoberto num lençol na Feira da Ladra. Ana Lua Caiano é uma one-woman band que veio para ficar (e ainda bem).
Imaginem uns Franz Ferdinand com menos algumas rotações e o embalo, quase sempre às cavalitas do baixo, dos Rolling Stones, e terão uma ideia mais ou menos aproximada do som dos The Driver Era. Aliás, o vocalista Ross Lynch deve ter passado muitas horas ao espelho a treinar as poses de Mick Jagger, ainda que esteja longe do seu jogo de cintura. Ainda apanhámos um momento de dança com o perfume de nuestros hermanos, mas a ideia que fica é a de que a banda é uma espécie de videoclip a passar em loop na MTV.
Prometia ser um dos grandes concertos do Palco Heineken, mas os canadenses Men I Trust desperdiçaram uma oportunidade das grandes. Na sua música descobrimos pontes com a guitarra infinita dos Real Estate, a melancolia dos Mazzy Star ou a envelopagem dos Cigarettes After Sex, mas pareceu haver sempre uma parede entre a banda e o público, erguida tanto pela timidez de Emmanuelle Proulx, a definição sonora deficiente ou um barulho de fundo constante, como se um enxame de abelhas tivesse decidido aparecer à cata de flores. Tiro ao lado.
“We come in peace. Não somos uma agência governamental”. Quem o prometeu foi Maynard James Keenan, vocalista dos Tool e A Perfect Circle, mas também parte fundamental dos Puscifer, banda americana de electro-rock que chegou ao Passeio Marítimo de Algés a bordo de uma nave espacial protegida pela invisibilidade. Um concerto que contou com um forte lado cénico e teve uma entrada ao estilo Reservoir Dogs de Tarantino, no qual não faltaram batalhas épicas com extraterrestres ao estilo de Star Wars – com direito a sabres de luz e tudo. Enquanto nos ecrãs iam passando palavras de ordem como “Upgrade”, “Restart” ou “Do Not Shut Down”, figurantes iam desfilando, fossem versões carecas dos Men In Black ou extraterrestres prontos a dominar o mundo. Num universo musical onde soam ecos do planeta Trent Reznor, e perante a reacção e o entusiasmo que os Puscifer geraram, uma coisa parece ser certa: ainda não estamos prontos para o primeiro contacto com vida inteligente fora do planeta Terra.
Ao contrário dos The White Stripes, os The Black Keys são um falso duo, acompanhados em palco, ainda que numa segunda e pouco destacada linha, por uma banda de respeito. Ao longo dos anos, os amigos de infância Dan Auerbach e Patrick Carney transformaram-se numa banda de estádio, contando já com 12 discos no extenso CV. O cenário do NOS Alive, aliás, tinha tudo para ser de estádio, desde a filmagem aprumada e às tiras ao jogo de luzes que fazia uso das estalagmites laterais do palco. Riffs intensos num concerto bem morninho e em piloto automático.
Liderados pela cantora nigeriana Eno Williams, os Ibibio Sound Machine actuaram quando já toda a gente procurava o melhor lugar para os Red Hot, mas não se deixaram abalar pelo ar meio vazio da tenda Heineken. Na linha da frente, entregues à guitarra, baixo e percussão, está a velha guarda, enquanto que os mais novos, optando pela descrição – como que bebendo às escondidas dos pais -, ficam entregues aos teclados e aos sopros. Uma festa dançante intergeracional de arromba, entre o funk, a disco e a electrónica, e que foi ao encontro do que Eno disse a propósito de “Electricity”, disco de 2022 que contou com produção dos Hot Chip: “Não há amor sem eletricidade”. Um festão.
Fotos
Arlindo Camacho/NOS Alive (Red Hot Chili Peppers, The Black Keys, The Driver Era)
João Silva/NOS Alive (Puscifer, Ibibio Sound Machine)
Hugo Macedo/NOS Alive (Spoon, Men I Trust)
Sara Hawkkk/NOS ALive (Ana Lua Caiano)
Promotora: Everything is New
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