“Quando foi a última vez que disseram algo de bom sobre vós?”. A questão foi lançada pela norte-americana Lizzo que, na sua estreia em Portugal, assinou um concerto para mais tarde recordar. O mesmo aconteceu, horas depois, com o rapper Lil Nas X que, com um olhar todo ele queer, reescreveu parte da História como a conhecemos, numa orgia visual que foi linda de se ver. Duas estreias marcadas pela subversão que foram o ponto alto do segundo dia do NOS Alive, e que podem apontar o caminho a edições futuras.
Na companhia das dançarinas Lizzbians, termo que vem reclamando para designar as suas fãs, Lizzo ofereceu um concerto onde houve um pouco de tudo: coreografias a preceito, humor, trocas de outfit, muita paixão, um espírito virado para a pista de dança, um momento clássico servido por um trio de flautas ou uma interacção com os fãs como há muito não se via.
A certa altura, incerta sobre se esta seria ou não a sua primeira vez em Portugal, percorreu num olhar demorado os muitos cartazes levantados, lendo-os em voz alta e respondendo a alguns deles de forma bem especial. Um fã teve direito a uma BeReal tirada por Lizzo, uma imagem em tempo real e sem filtro que pretende levar as selfies a um novo patamar – foi impagável a reacção do fã mostrada pelas câmaras -, outro teve a sorte de levar para casa um cartaz assinado, e ainda houve quem tivesse direito a parabéns cantados.
Num palco onde imperavam os néons, também os ecrãs foram parte desta efusiva Lizzomania, fosse para a mostrar numa versão de Miss Músculo ou partilhar um grande plano do seu esmerado twerking, já numa caprichada indumentária com muita lantejoula à mistura. “O caminho não foi fácil”, disse a dado momento, num concerto onde não faltaram os (já) clássicos “Cuz I Love You”, “Everybody`s Gay” – “Happy Pride, Bitches”, lançou – “Boys”, “Special” – onde pediu para que cada um gritasse que era especial e estendesse o elogio à pessoa do lado – ou uma versão, com flauta pelo meio, de “Yellow”, dos Coldplay. Longa vida a Queen L e ao seu reinado.
Horas depois, no fecho do Palco NOS, era grande a azáfama na montagem dos adereços, que levou a um atraso de 20 minutos no concerto de Lil Nas X e a um exercício de adivinhação sobre o que raio seriam aquelas estranhas formas. Ao estilo de uma parada behind the scenes do Black Panther, um grupo apreciável de dançarinos abriu caminho à chegada de Lil Nas X que, qual Mufasa, chegou para reinar sobre as Terras do Reino de Algés.
“Viemos para passar um bom bocado, podemos?”, lançou, isto enquanto um dragão chinês cinzento de olhos iluminados se juntava a este jardim das delícias, que quase na certa faria corar Hieronymus Bosch. “Tenho um buraco nas calças outra vez, juro que não é de propósito”, disse antes de surgir montado num cavalo de Troia, numa variação de “Old Town Road” com um toque Tarantiniano e que, imagine-se, até conseguir meter “Someting In The Way” dos Nirvana pelo meio.
Numa viagem onírica capaz de chocar os mais puritanos, tempo houve para revisitar a História, fosse para dar colo a faraós, desencantar um abominável homem das neves que ficaria a matar no Senhor dos Anéis de Tolkien, ou trazer a palco centuriões romanos com piercings mamários e trajados num roxo eléctrico, enquanto o “Beat It” de Michael Jackson fazia das suas. Ou, ainda, servindo um medley com alguns dos mais castiços momentos pop dos últimos anos – Queen B incluída -, onde cada um dos dançarinos aproveitou para mostrar os seus dotes acrobáticos e poderes de sedução.
Mais do que um concerto, Lil Nas X ofereceu uma performance de todo o tamanho, por vezes amparado em malhas vocais pré-gravadas, ao encontro da ideia de que um concerto é muito mais do que ouvir um CD rodeado de malta que, na sua maior parte, não se conhece de parte alguma. Aquele beijo na boca a um dos dançarinos, com quem saiu depois de mão dada, foi mais uma afirmação deste rapaz que não tem vergonha de andar no pilates.
Notas breves
“A culpa não é minha. Aplaudam mais alto, talvez nos voltem a convidar”. As palavras são de Dallas Green, mentor dos City and Colour, a banda de country folk canadense que, 6 discos e várias premiações depois, finalmente se estreou em Portugal. Um concerto que foi do country clássico com pinta indie ao embalo mais gingão – houve até uns pozinhos da vibe Dark Side of the Moon dos Pink Floyd -, e no qual Green se mostrou um comunicador nato, fosse para perguntar pelos sapatos de dança – no lançamento de “Thirst” -, referir a suposta morte do rock, dissertar sobre o facto de andarmos à procura de razões para nos pormos a andar daqui para fora – “Two Coins” – ou falar da importância de sermos simpáticos para quem nos cerca – “Digam olá ao estranho que está ao vosso lado. Se forem idiotas, vão beber uma cerveja” – e de aproveitarmos cada um dos momentos da vida – fala de “Underground” como “uma canção sobre estar aqui e agora. Desliguem os telefones, vivam este momento. É tudo o que temos”. Antes do pano cair agradeceu à banda, “que faz tudo acontecer”, mas também à sua mulher, “que grita durante o sono” e levou à escrita de “Fragile Bird”, que a certa altura reza assim: “And when she wakes/ In her fragile state/ Well, she calls my name/ Hoping that I keep her safe/ All that I can do/ Is hope she makes it through”. Nunca os terrores nocturnos foram descritos com tanta poesia.
As bandeiras do arco-íris estavam já desfraldadas quando entrou aquilo que parecia ser uma amostra da equipa dos All Blacks. Porém, ao contrário de um jogo de exibição do desporto que parece ser jogado com um ovo, tratava-se da comitiva de boas-vindas – vulgo banda de suporte – à entrada em cena da menina Marie Ulven, mais conhecida como Girl in Red, naquela que foi mais uma estreia em Portugal. “Quem é que gosta de raparigas aqui?”, perguntou a certa altura a norueguesa, num concerto onde deu tudo e no qual acabou num crowd surf que deu a volta completa ao recinto. Marie Ulven é provavelmente demasiado nova para conhecer o filme de Gene Wilder mas, a manter esta passada, facilmente passará a ser conhecida como The Woman in Red. Mesmo que se vista de branco.
No futebol, sempre que existe um lance duvidoso ou mais propenso ao penálti, surge sempre a conversa da intensidade. No caso dos Arctic Monkeys, banda que regressou ao NOS Alive para mais um concerto em Portugal – ainda no ano passado tinham estado na edição de estreia do Kalorama -, torna-se complicado distinguir entre entre as várias performances da banda, a não ser talvez pela indumentária, as falas que de tão reduzidas parecem ser de figurante ou as poses sempre estilosas de Alex Turner, o maestro daquela que foi, em tempos, a maior banda rock da Britânia e mais além. Em modo best of, os Arctic Monkeys atravessaram praticamente todos os seus discos, numa comunhão com o público que, uma vez mais, dispensou qualquer troca de mimos verbais. Desta vez, o VAR não vacilou: foi mesmo penálti.
Fotos
Arlindo Camacho/ NOS Alive (Lil Nas X, Arctic Monkeys)
José Fernandes/ NOS Alive (Lizzo)
João Silva/NOS Alive (City and Colour)
Hugo Macedo/ NOS Alive (Girl In Red)
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Promotora: Everything is New
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