Nos idos anos 1990, o feminismo entrou a pés juntos no universo do rock alternativo, num movimento que ficou registado na história da música com um assanhado ronrom: Riot Grrrl. Ao invés da maquilhagem, o Riot Grrrl fez-se valer da zanga e da subversão, muitas vezes acompanhado de piercings e tatuagens, recusando-se a pedir desculpa por qualquer incómodo causado. Foi um movimento que nasceu nos Estados Unidos com o desejo de revolução, reagindo a uma indústria musical dominada pelos homens. A subversão chegava pela voz feminina, catapultada depois para a escrita onde se abordava toda uma série de questões fundamentais: violência doméstica, sexualidade, violação, direito ao aborto, pagamento igual entre sexos. Bikkini Kill, L7 ou Huggy Bear foram algumas das bandas que provocaram incêndios, deixando acesa a centelha de insubordinação.
Quando o Riot Grrrl se encontrava em ponto de rebuçado, Este, Danielle e Alana eram ainda umas catraias, longe de saber que um dia formariam as Haim. Banda que, apesar de estar quase nos antípodas da estética original, tem pelo menos meia costela arrancada ao Riot Grrrl. “Women in Music Pt. III”, o terceiro – e recomendado – longa-duração da banda lançado em 2020, discute em muitas canções a misoginia que as Haim têm enfrentado na indústria musical, onde são ainda os homens a ditar as leis e a impor os limites e as regras ao corpo feminino.
Num cenário despojado, onde tiveram de enfrentar uma multidão quase toda ela a pensar em adoptar uma Doninha como animal de estimação, as Haim regressaram a Portugal – quatro anos depois do Rock in Rio e oito após a sua estreia nacional no Primavera Sound – montando um simples mas eficaz cenário anti-patriarcal: umas chouriças suspensas pelo pescoço, como se com isso pendurassem também, de cabeça para baixo, toda a masculinidade tóxica (e o seu mais preciso adereço).
“Quando escrevemos o álbum, nos nossos quartos, falámos da última vez que estivemos em Portugal. Lembro-me de curtir com imensa gente, portanto podem imaginar o quão entusiasmada estava por voltar a Lisboa. Vocês beijam muito bem”, disparou uma imparável Este, que partilhou a história de um recente “pinanço” com um tipo que conheceu no Mad Cool, matéria que serviu para realizar uma pequena paródia. Atendendo em palco uma chamada desse amante de one night stand, veio à baila a questão do casamento e das almas gémeas, que Este prontamente arrumou na gaveta: “Não quero nunca casar. Quem é solteiro aqui?”. Desceu depois às filas da frente em busca do próximo parceiro sexual, tendo o azar de dar com um homem casado que recusou o repto: “Respeitamos um homem honesto”, devolveu, sem ter conseguido dar à língua.
Com calças largas e usando a parte de cima de bikinis pretos, as irmãs Haim viajaram por uma discografia que vem misturando pop, folk e country, trocando de instrumentos e fazendo de tudo para cativar um público que se revelou difícil e imune à simpatia do trio. “Want You Back”, “My Song 5”, “Summer Girl”, “The Wire” e “The Steps” estiveram entre o alinhamento de um concerto esforçado onde, apesar do pedido das manas, poucos contraíram a febre de sábado à noite. Talvez, quem sabe, daqui a quatro anos possam ser felizes (e acabar aos linguados com alguém).
Fotos: Arlindo Camacho
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