O novo disco de Nick Cave and The Bad Seeds, “Skeleton Tree”, ficará para sempre contaminado pelo seu dramático contexto. Já decorriam as gravações quando Arthur Cave, filho do cantor, encontrou a morte ao cair acidentalmente de um penhasco, em Brighton, perto da casa da família. Tinha apenas 15 anos.
Seis meses após este evento catastrófico, Nick e a sua mulher, Susie Bick, aliaram-se ao realizador Andrew Dominik para filmar “One More Time With Feeling”, documentário que registou as restantes sessões de gravação, lançado como complemento do disco. Serviu também de resposta pública do casal à tragédia. No filme, Cave nega que o disco seja “sobre” a morte do seu filho, afirmando mesmo que a maior parte das letras já estava escrita antes do acidente. Mas o infortúnio que se abateu sobre o cantor paira, ameaçador, sobre todas as músicas, acrescentando-lhes uma carga emocional e uma intensidade singulares.
Com apenas 8 canções e perto de 40 minutos, “Skeleton Tree” é um álbum curto. As canções, de estrutura vaga, flutuam entre ritmos e percussões dissonantes, e um nevoeiro de radiação mortífera – veja-se “Anthrocene”, desconjuntada e surreal reflexão sobre a perda. Musicalmente há uma continuidade com o disco anterior, “Push The Sky Away”, com a aposta em ambientes e arranjos minimais, aperfeiçoados nas diversas bandas sonoras que Cave fez com Warren Ellis.
O barbudo Ellis tornou-se uma figura central no som dos Bad Seeds e a sua influência é notória, levando Cave sempre em direcções mais experimentais. No vídeo de “Jesus Alone”, é Ellis o maestro dos Bad Seeds, conduzindo as respirações das cordas com as suas mãos ossudas, enquanto Cave canta, ao piano, como um moderno Bela Lugosi num filme a preto e branco. A faixa abre o disco com a terrível frase “You fell from the sky / crash landed in a field near the river Adur”. Espectral e sombrio, o sintetizador Korg de Ellis carrega o peso da desolação, enquanto Cave conjura encantamentos ameaçadores, povoados com figuras do seu imaginário gótico.
“Skeleton Tree” é assombrado pelos fantasmas habituais do músico australiano – as canções de Nick Cave sempre lidaram com o amor, o sangue e a morte, mas nunca de uma forma tão íntima. As letras são aqui menos dadas a narrativas lineares, mais abstractas e esotéricas. O disco é um trabalho incompleto, intencionalmente desprovido de floreados, quase um “work-in-progress” deixado no seu estado mais puro. Um edifício instável assente num terreno pantanoso, movediço.
Cave tem usado frequentemente coros ao longo dos últimos trabalhos – fê-lo em “Abattoir Blues/ The Lyre of Orpheus”, sob a forma de gospel, fê-lo em “Dig, Lazarus, Dig”, de 2008, com os Bad Seeds a cantar em fundo, como aguerridos roqueiros. Fá-lo agora de novo aqui, mas de uma forma distinta: o impacto emocional das vozes fantasmagóricas que visitam as canções é tremendo: em “Girl in Amber”, o coro eleva a música a um patamar quase insuportável de beleza e devastação.
Depois há a voz. Nas músicas em que Cave recita a letra, surge entorpecido e dormente. Quando canta, está muito distante do cantor feroz de “Dig, Lazarus Dig”: soa frágil e desamparado, muito mais vulnerável do que é costume – muito mais velho do que os seus 58 anos deixariam adivinhar. É visível em “I Need You”, uma das mais belas faixas de “Skeleton Tree”, e também em “Distant Sky”, dueto com a soprano dinamarquesa Else Torp. Neste disco o cantor perde a sua raiva e, onde antes costumava gritar, agora murmura.
O álbum termina com a faixa-título “Skeleton Tree”, espécie de nascer do sol rompendo a madrugada, depois de uma longa e escura noite. É a única faixa conduzida pela guitarra. Mais coesa, mais luminosa, com uma instrumentação mais preenchida, deixa no ar a hipótese de um futuro liberto das densas trevas que cobrem de sombra este disco.
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