1998. Stephin Merritt está às voltas com o seu mais que ambicioso projecto de se “apresentar ao mundo” com 100 músicas de amor. Um ano depois vão acabar por ser apenas 69 e, esse maravilhoso e inspirado triplo CD, ficará para sempre agarrado às paredes da posteridade: “69 Love Songs” estará no olimpo da música pop até que se calem as musas. Mas, no entretanto, a vida vem em socorro do artista. Num bar gay de Nova Iorque conhece Reno Dakota, por quem se apaixona compulsivamente. Reno, porém, parece responder às suas abordagens de forma fria e distante. Merritt aproveita a rejeição para a necessária e inevitável construção lírica:
Reno, Dakota
There’s not an iota
Of kindness in you
You know you enthrall me
And yet you don’t call me
It’s making me blue
Pantone 292
Reno, Dakota
I’m reaching my quota
Of tears for the year
Alas and alack
You just don’t call me back
You have just disappeared
It makes me drink beer
I know you’re a recluse
You know that’s no excuse
Reno, that’s just a ruse
Do not play fast and loose
With my heart
Reno, Dakota
I’m no Nino Rota
I don’t know the score
Have I annoyed you
Or is there a boy who
Well, he’s just a whore
I’ve had him before
It makes me drink more
O poema, cantado por Claudia Gonson, irá rebentar numa melodia folk, minimal mas poderosa, que dura apenas um prodigioso minutinho, e é uma das mais carismáticas faixas de “69 Love Songs”.
E a história acabaria aqui, não fosse o zelo inquiridor de Kerthy Fix e Gail O’Hara. No seu documentário de 2010, “Stange Powers – Stephin Merritt and The Magnetic Fields“, os realizadores acabam por descobrir o objecto da paixão de Merritt e documentaram a história, contada pelo lado de Reno. Este explica as razões da sua indiferença que, não sendo politicamente correctas, não deixam de ter a sua piada, num poema que é uma autêntica versão alternativa de Reno Dakota:
Dear Stephin Merritt
please stop I can’t bear it
Don’t call anymore
My answer machine
will continue to scream
Though it’s tired and sour
But you’re not gonna score
Dear Stephin Merritt
you’ve dangled your carrot
in form of a song
That eponymous ditty
is bitting and witty
your message is strong
But you’ve got me all wrong
From up in my tower
I watch with a powerfull lust
for brown gold and rust
Boys of colour are just
what I must
So dear Setphin Merritt
just dump out that claret
try sleeping at night
I’m wishing you well
but that snow ball in hell
has the same sorry plight
And though we try as we might
we’re both hopelessly white
A elegância meio despudorada e a mestria lírica com que Reno responde a Stephin (reparem que o poema segue a estrutura sónica, métrica e rimática da versão original, como se issso fosse fácil) leva-nos a perceber, afinal, talvez, a razão pela qual o o segundo se apaixonou pelo primeiro. E, na verdade, esta história tem um final feliz: Merritt conseguiu arrancar à vida uma música (mesmo contra as suas próprias convicções, como veremos mais à frente, num outro artigo desta série). E Dakota ganhou os seus 15 wharolianos minutos de fama.
Para quem se interessa pelas razões últimas da arte, porém, este não será exactamente um momento de elevação. Mas, pensando bem, que interesse realmente têm essas últimas razões? As primeiras são, regra geral, bem mais convicentes. E, claro, muito mais saborosas.
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