Em Fevereiro de 2011, James Murphy anunciava o ponto final – e de exclamação – na carreira dos LCD Soundsystem, numa despedida gritada com antecipação aos quatro ventos e realizada, com muito alarido e estilo, no Nova-Iorquino Madison Square Garden. Quatro anos depois, e mesmo após dizer que depois dos 40 não queria viver a existência através de um LCD, Murphy voltava atrás com a palavra dada, supostamente por ter gravado uma tonelada de canções que pediam não um disco a solo mas a reunião do gangue. Murphy que, antes do regresso dos LCD aos discos com “American Dream”, havia lançado uma campanha para fazer uma banda sonora para o metro de Nova Iorque, entrado no negócio dos restaurantes e bares e produzido discos para boa gente como os Arcade Fire ou os Yeah Yeah Yeahs.
As opiniões dividiram-se: de um lado, aqueles que celebraram o dito por não dito antecipando o regresso da festa; do outro, os fãs indignados com este regresso com ar de descaramento, isto depois de uma despedida anunciada com um estardalhaço de todo o tamanho a que se seguiu o luto musical. E, sobretudo, depois de Murphy ter dito que não queriam comprometer o seu legado, gravando música quando sentiam que já não tinham o direito de o fazer. Tenha sido o apelo do dinheiro ou o genuíno arrependimento, a verdade é que a banda regressou o ano passado com um novo longa-duração, acompanhado de uma tour que, na semana passada – 19 a 21 de Junho –, esteve em cartaz durante três dias no Coliseu dos Recreios. Acreditando que é no meio que reside a virtude, e tratando de fazer esquecer a falsa despedida e o regresso suspeito, o Deus Me Livro marcou presença no concerto de dia 20, que teve direito a prolongamento e a grandes penalidades, só faltando mesmo a cerimónia da entrega da taça.
Não é certo que Murphy e companhia tenham uma costela britânica, mas a verdade é que os LCD Soundsystem entraram em palco às 22h00 em ponto, pegando na malha deixada no ar pelo DJ Shit Robot – que esteve a lavar pratos durante duas horas sem que ninguém lhe tivesse dado grande importância – para um arranque feito ao som de “Oh Baby”, tema que abre o novo “American Dream” e onde James soa como uma versão moderna e inspirada de Ian McCulloch, o em tempos vocalista dos refinados Echo & The Bunnymen. A bola de espelhos pendurada sobre o palco mostrava desde logo ao que vinha, projectando raios coloridos e dispersos que convidavam a pegar na baby do lado e dançar um slow apertado que espantasse os sonhos maus.
A pista abre logo de seguida com “You Wanted a Hit”, primeiro a medo e depois em modo de montanha-russa, um momento de pura magia onde a anca se move ao som de música de dança esquadrinhada à mão, num palco que mais parece uma sala de ensaios com tantos instrumentos e maquinaria estilosa. Uma malha arrancada aos melhores tempos do ZX Spectrum que, a certa altura, dispara efeitos de luz que terão deixado a bater mal aqueles com propensão para surtos epilépticos.
“Tribulations” é a terceira da lista, mas por esta altura já parece que o Júlio de Matos se transferiu para o Coliseu, não sendo de descartar também a ideia de que o tipo que mexe nas luzes estará sob o efeito de space cakes acabados de tirar do forno.
Depois de se passear por entre a parafernália montada nem palco, percorrendo como que um labirinto sem a presença de um Minotauro, James Murphy e Cª atiram-se a uma versão de “Get Innocuous!”, que durante segundos nos faz pensar nos tempos industriais dos Depeche Mode. Ainda é cedo mas Murphy decide “Call The Police”, tema onde um baixo arrancado aos Joy Division conduz a uma versão lunática com o espírito punk rock a que só faltou o surf crowd – que lá apareceu mais tarde.
“Yr City`s a Sucker” faz-nos regressar à vertigem de David Byrne e dos Talking Heads, que poderia bem ser uma curta inspirada em Ali Babá e os Quarenta Ladrões onde o jovem, depois de contrair uma taxa de alcoolémia mais do que suficiente para acabar a noite a ressacar na prisa, entrava disparado pela gruta sem precisar de palavra-passe.
“Daft Punk Is Playing In My House” serve para um duelo aceso de LED`s, numa versão muito mais cheia e punkalhada onde o cowbell faz das suas. “Movement” tem o mesmo espírito de agrafo de uns Chemical Brothers, pelo menos até as luzes enlouquecerem e, por entre algum moche, se ir gritando “You’re history and I’m tapped/You’re fast and easy ‘n I’m tapped/You’re pillaging/And I’m tapped/For best results well I’m tapped”.
Do punk viajamos para a disco com “Yeah”, muito provavelmente o grande momento da noite, uma montanha musical que pariu um rato à medida de “Song 2” dos Blur, onde no lugar de “Woo-hoo, Woo-hoo, Woo-hoo, Woo-hoo” se saca antes um “Yeah, Yeah, Yeah, Yeah”. “Someone Great” é puro deleite cósmico, uma base telefónica inglesa em tempos de guerra mundial.
James Murphy brinca então com o facto de a seguir irem à casa de banho, para discutirem coisas como os problemas técnicos enquanto fazem a sua cena, isto antes de servir uma versão cheia de sentimento de “New York, I Love You But You’re Bringing Me Down”, onde há espaço para Murphy soltar um “Dreams come true but not because you fucking dream it”.
O encore é precedido de um jingle com ar de música de desenhos animados para elevador de arranha-céus, disparado enquanto se vai afinando a maquinaria para uma sequência final frenética onde cabem “How Do You Sleep?” – que resume, em menos de dez minutos, o que foi ser cool nos idos anos 80 -, “Emotional Haircut” – que mais parece um mash up onde cabem os Cure em modo 3.0, a melancolia Joy Division e os Bauhaus em modo coro Amaro de Oeiras -, “Dance Yrself Clean” e o celebratório “All My Friends”, onde James Murphy confessa a sua dor de costas antes de mandar toda a gente para casa com os ouvidos a tremer com este american dream vivido na grande alface. Ou, ignorando o que leram atrás e resumindo tudo em três palavras – e um ponto de exclamação: foi do cacete!
Sem Comentários