Imaginem um cruzamento entre “O Nevoeiro”, esse filme de culto saído da imaginação de Debra Hill e John Carpenter, com o livro do meio do Tolkeniano “O Senhor dos Anéis”, e terão uma ideia mais ou menos aproximada do que foi o concerto da britânica Keeley Forsyth na Culturgest (28 Março): um ensaio sobre a angústia da existência humana através da dança, do corpo e do movimento, cantado entre a dissimulação de um esmerado jogo de fumo e sombras.

Acompanhada por músicos que se moviam entre o piano clássico e um teclado digital, Keeley Forsyth teve como adereços principais uma mesa e uma cadeira, os quais abandonava a espaços passeando pelo palco, ensaiando movimentos de dança, sussurrando fragmentos de poemas ou, qual ilusionista, evaporando-se, surgindo mais tarde num outro andamento sonoro.

“We will crawl / We will find an answer”. Foi com estes versos, sacados ao sublime “Answer” – tema de abertura do recomendado “The Hollow” (2024) -, que arrancou um concerto que foi bem mais do que um concerto. A dado momento alguém arrisca umas palmas, mas o embaraço embate sem airbag num muro de silêncio, percebendo-se que não estamos num teritório dado ao aplauso, apenas ao espanto. Um pouco como num conto de Shirley Jackson, autora que poderia ter escrito “Sempre Vivemos no Castelo” a partir deste universo espectral e lúgubre, mas ao mesmo tempo magnético e emocionalmente transcendente.

Para o final fica “The Hollow” – escrita em reacção a um artigo sobre uma mulher que sofria de uma psicose pós-parto -, canção após a qual pendurou o casaco na cadeira e saiu de cena, abraçando a escuridão. Os aplausos demoraram mas fizeram-se ouvir e, quando surgiu para agradecer, Keeley Forsyth parecia ser já um duplo de si mesma, caminhando na direcção da luz. Magnífico negrume.
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Fotos: Vera Marmelo
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