Kamasi Washington não é o típico músico de jazz. O icónico saxofonista americano tem, nos dias que correm, o perfil de uma quase estrela pop, conseguindo ao mesmo tempo manter a sua paixão e reverência pela tradição musical do género. Essa latitude faz com que o músico se enquadre tão bem em festivais de jazz mais tradicional como em eventos do calibre de um Coachella (onde tocou o ano passado).
Kamasi está também a trazer o jazz para as gerações mais jovens – pelo menos se olharmos à faixa etária da audiência que o recebeu este sábado na sala Lisboa Ao Vivo. O saxofonista e compositor veio à capital promover o segundo álbum de originais, o monumental disco-duplo “Heaven and Earth”, depois de ter passado pelo Porto na noite anterior.
Pouco passava das 21h30 quando o clássico funk de James Brown Get Up Offa That Thing deu o mote antes do início do concerto. O imponente músico e a sua banda – Miles Mosley no contrabaixo, Robert Miller e Tony Austin nas duas (!) baterias, Brandon Coleman nas teclas, Patrice Quinn na voz e Ryan Porter no trombone – tomaram o palco para tocar Show Us The Way.
De imediato a temperatura da sala subiu: a banda arrancou com grande intensidade, elevando de imediato a tensão a níveis estratosféricos, com direito aos primeiros solos destruidores: tanto Kamasi como o impressionante teclista Brandon Coleman deram largas à sua criatividade, perante um público automaticamente rendido.
Todos os músicos da banda são verdadeiros virtuosos e tocam juntos há muitos anos, pelo que a cumplicidade entre eles é evidente. Dá gosto vê-los ao vivo a construir pacientemente as suas exibições, umas vezes criando tensão dramática até ao volume máximo, outras trazendo a acalmia no centro do furacão.
Foi assim com The Rythm Changes, que contou com a ajuda de Ricky Washington, pai de Kamasi, no clarinete. A elegante Patrice Quinn emprestou a sua voz sempre segura, vivendo a música com o corpo todo – chegou a deixar cair umas lágrimas ao som do saxofone melodioso de Kamasi. Quando não estava a cantar, a vocalista dançava com prazer, elevando frequentemente as mãos para o céu.
Ao longo da noite, Washington agiu como um verdadeiro maestro, cedendo inúmeras vezes o protagonismo para ver brilhar os seus músicos em solos elaborados: foi assim com o espectacular Miles Mosley, executante genial que torturou o contrabaixo com distorção em barda – só faltou pegar-lhe fogo -, deixando o público rendido; foi assim, também, com o teclado psicadélico e a voz distorcida de Brandon Coleman, com o trombone funky de Ryan Porter, e até com o estrondoso duelo de bateristas a meio da noite.
O ponto alto deu-se perto do final, com a fenomenal Fists of Fury – aqui com um arranjo mais lento -, na qual Patrice Quinn repetiu com paixão a palavra de ordem We will seek our retribution. Mosley fez abanar a sala com o baixo trovejante e Kamasi rasgou o ar num improviso épico. Washington é um optimista, pelo que toda esta suposta raiva acaba por dar lugar à alegria da vitória e da celebração.
Houve ainda direito a encore – algo pouco habitual nos concertos do músico -, com a banda a encerrar a noite com Street Figther Mas e despedindo-se com a promessa de voltar em breve. Uma exibição estrondosa, que não esqueceremos tão cedo.
Setlist
Show Us The Way
Connections
The Rythm Changes
Truth
The Psalmnist
Fists of Fury
Encore
Street Fighter Mas
Galeria fotográfica (fotos de Luís Miguel Andrade)
Promotora: Gig Club
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