Jorge Drexler estará, para a música da América Latina, um pouco como Messi está para o futebol. Num percurso musical com já mais de três décadas, o uruguaio levou para casa sete Grammys Latinos, um Goya, um Biznaga de Plata e, cereja das cerejas, um Oscar hollywoodesco com o tema “Al Outro Lado Del Rio”, corria então o ano de 2005. Ao Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (2 Fevereiro), Drexler veio apresentar “Tinta y Tiempo”, álbum escrito em período pandémico onde, mais do que nunca, levitou o fantasma da folha branca – folha que está na capa do disco e que foi representada, qual tapete branco não voador mas iluminado, em palco.
Regressando à metáfora futebolítica, assistiu-se aqui a uma verdadeira final, onde ao jogo bem disputado se seguiram dois prolongamentos rasgadinhos e uma decisão nervosa nas grandes penalidades, num concerto esticado para lá das duas horas e meia. Drexler, esse, é o “verdadeiro artista” de que falava Serafim Saudade juntando, a uma imaculada prestação musical e vocal, uma boa conversa.
Depois de uma longa intro musical, festim para qualquer observador de pássaros de fim-de-semana, Drexler entrou enquanto no ar pairava uma espécie de diário, dominado por dissertações sobre amor, sexo e desejo. Antes de dizer sequer boa noite, já o músico agradecia de joelhos a primeira grande ovação – uma “mostra de amor”, palavras suas -, de um CCB com coração latino – argentinos, paraguaios, uruguaios, colombianos, entre outros, responderam à chamada.
Na companhia dos músicos Borja Barrueta (bateria), Meritxell Neddermann (teclados e vozes), Javier Calequi (guitarra e vozes), Carles «Campi» Campón (baixo e programação) e Alana Sinkëy e Miryam Latrece (vozes), constantemente elogiados por Drexler, foi dada primazia ao mais recente longa-duração, mas foram muitas as viagens temporais e os discos revisitados, tendo o músico surpreendido com o seu português com perfume brasileiro, falando sobre o contexto de muitas das canções quase sempre com uma veia de comediante stand up.
Neste desfile musical, onde aproveitou para dedicar canções aos presentes António Zambujo, Salvador Sobral – “meu irmão” – e Carminho, foram vários os pontos altos: como quando recordou a edição do primeiro disco, que vendeu qualquer coisa como trinta e duas cópias – 31 delas a caras conhecidas, numa “venda coerciva” -, pedindo que levantasse a mão quem não tinha ainda nascido em 1992 – foram muitas as que se levantaram; a pop matemática e com o embalo latino de “Corazón Impar”, onde aconselhou a que, no jogo do amor, esquecêssemos a procura obsessiva da outra metade da laranja; “Bendito Desconcierto”, a última canção que escreveu da nova rodela, onde facilmente se poderia imaginar Josh Rouse a fazer uma cover; “Oh, Algoritmo!”, “uma música bem diferente do que costumo escrever”, plena de ironia e contra as soluções simples da vida, onde arranhou sem medo um inglês em modo rapster; “Telefonía”, que nos trouxe a praia, gelados e bolas de berlim com creme; ou, ainda, “Silencio”, uma espécie de Boys & Girls com sotaque, servido como um videoclip gravado ao vivo. Simplemente perfecto.
Fotos: @rodrigosimasphoto
Promotora: im.par
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