Imaginem um Porto-Benfica jogado no parque de estacionamento do Colombo, ou então o Papa Francisco em Portugal a dar a bênção aos fiéis numa loja da Intimissimi, ladeado por modelos vestidas com a mais sexy lingerie do momento. É um exercício complicado, certo? Pois bem, a verdade é que Johanna Glaza teve, no seu regresso a Portugal, de lidar com o contratempo de tocar no Musicbox, um remate ao lado para um concerto feito de silêncio e intimidade.
E, se juntarmos a isto o facto de o técnico de som não ter estado particularmente colaborativo, de haver um barulho de fundo constante que incomodava e muito ou de alguns terem aproveitado o tempo para verem das suas vidas sociais no facebook, tirarem selfies, darem melos junto ao palco ou conversarem sobre coisas mundanas, a noite parecia condenada ao insucesso. Desenganem-se. Johanna Glaza sobrepôs-se a toda a mediocridade e assinou um senhor recital, mostrando que é uma das mais cativantes vozes do actual panorama musical.
“Wind Sculptures”, rodela lançada em 2017 – a estreia da artista lituana no mundo dos longas-duração -, foi o destaque maior da setlist – que a certa altura alguém teve de ir buscar ao bolso do seu casaco -, tocado quase de uma ponta à outra. Um disco despido, directo, muito menos orquestrado que os anteriores EP`s, que vive essencialmente de um diálogo sentido entre o piano e a voz, adornado por elementos analógicos que lhe conferem um ar etéreo.
Comparada muitas vezes a Kate Bush pelo poderio vocal, Johanna Glaza alia em palco uma voz tremenda a todo um lado cénico, que vai da simplicidade da decoração de um piano com luzes brancas a gestos teatrais – e, sobretudo, à capacidade de se transformar em múltiplas personagens: se, em “In The Shadow”, estamos diante de uma Patty Smith em versão granny com a missão de assustar quem chegue perto da casa dos doces, já em “Million Years” – tema antecedido por um “Vocês têm o oceano dentro de vós” – andamos de mão dada com uma criança através de um parque infantil construído junto ao mar.
Glaza revelou ter uma relação muito particular com os fãs, e não faltaram confidências ou histórias. Disse ter pedido o pai e a mãe – para quem escreveu o tema-título de “Wind Sculptures” – no espaço dos três anos desde que esteve no Mexefest, contou a história de uma mulher que um dia decidiu que o mar seria a sua casa e que tinha de ser apaziguada por um xamã de modo a não exterminar toda a vida aquática, pediu ao público para imitar o som do oceano – que, segundo ela, fez um som mais parecido com o do vento -, confessou ter escrito “Desires” como um auto-conselho, partilhou o seu medo aos palcos e, revelando que não confia nos olhos mas nos ouvidos, pediu dois gritos colectivos.
Uma noite mágica a que não faltou, para lá das frases espirituais, o humor muito particular de Glazza, que antes de se atirar a uma versão de “Shall I Be A Saint” disse qualquer coisa como “é a profissão que me falta”. A despedida fez-se com a obrigatória “Letter To New York”, seguida de uma sessão fotográfica onde tirou polaroids com os fãs que ficaram à espera de um autógrafo e alguns dedos de conversa. Um momento onde Johanna Glaza disse em jeito de brincadeira: “Devia fazer uma tour em Portugal só em Igrejas”. Um grande Ámen a isso.
As fotos são da autoria de Luís Sousa, e foram gentilmente cedidas pela Música em DX.
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