A cantora e produtora canadiana Claire Boucher, mais conhecida como Grimes, teve uma ascensão meteórica em 2012, resultante do sucesso do seu terceiro álbum, “Visions”. O êxito inesperado de singles como “Oblivion” e “Genesis” trouxe-lhe visibilidade, resgatando-a do anonimato underground em que vivia até então. A recepção da crítica foi bastante positiva – a Pitchfork classificou o disco como “de audição compulsiva”.
Em 2014, Grimes editou em nome próprio o single “Go”, escrito para Rihanna, mas que a cantora terá recusado. Na sequência de uma má recepção dos fãs à nova direcção musical que escolheu, Grimes terá deitado fora um álbum inteiro e começado, do zero, a gravação do seu 4º álbum.
Chega-nos agora “Art Angels” (4AD, 2015), precedido por dois avanços: “Flesh without blood” e “Scream”. A primeira é uma canção Pop a pedir airplay nas rádios, animada e com uma forte pulsação rítmica. Grimes canta uma melodia açucarada com a sua voz cristalina. É uma música competente, mas não mais do que isso.
Quanto a “Scream”, como dizê-lo…? Parece a parte da frente de um acidente. Grimes convida Aristophanes, uma rapper underground de Taiwan, para debitar uma letra em mandarim (?) acompanhada por uma linha de guitarra ácida e uma batida repetitiva, que desemboca em gritos de filme de terror. Medo. A música parece feita para dar credibilidade não-mainstream ao disco e cumprir a quota-parte de “experimentalismo”, mas é um castigo para os nossos pobres ouvidos.
Com estes dois singles, a coisa parecia tremida para Grimes. No entanto, de repente surge uma surpresa chamada “Laughing and not being normal”: uma intro que mistura electrónica e orquestra, onde encaixa na perfeição a voz angelical da artista. É um momento raro, com uma qualidade e uma dinâmica nova, ausente nos seus álbuns anteriores. A faixa prova o enorme talento da jovem de Montreal.
Segue-se a pop solarenga de “California”. Sintetizadores optimistas acompanham guitarras, palmas e batidas de caixa de ritmos, enquanto Grimes canta “The things they see in me, I cannot see myself”, quem sabe se para os seus críticos.
O disco ganha asas a partir da faixa 6, intitulada “Kill Vs. Maim”. A canção é um microcosmos habitado por todas as idiossincrasias da cantora: a voz expressiva de desenho animado japonês, a excelência técnica da produção, coros inventivos de cheerleader e uma guitarra-ritmo contagiante. É uma faixa com energia às pazadas e muita personalidade.
Prosseguimos em beleza com “Artangels”, dotado de um riff de guitarra inspirado, a pontuar as habituais linhas melódicas da cantora. Tal como “Easily” faz lembrar Madonna, nomeadamente o disco “Ray of light”, de 1998, nas vozes e nos arranjos. No entanto, Grimes deixa sempre o seu cunho sonoro.
“Reality” continua numa onda pop, devedora do mainstream dançável do final dos anos 90. Esta música já tinha sido editada como EP, mas conhece aqui uma versão mais cheia e exuberante. É mais um ponto alto do disco.
Destaque ainda para “Venus Fly”, com Janelle Monae. Habitada pelas vozes das duas cantoras em contraponto, misturadas com uma pitada de Janet Jackson, faz lembrar Spice Girls em alta rotação. Tudo embrulhado num baixo profundo de fazer abanar as colunas.
O álbum termina com duas faixas mais doces: a belíssima “Life in the vivid dream”, transportada por uma guitarra acústica e pela voz bem audível de Grimes, e “Butterfly”, uma faixa solar, leve e alegre.
Grimes criou uma nova persona, uma estrela pop mais acessível do que a artista underground de “Visions”. “Art Angels” é um álbum visceralmente pop, embora ancorado numa vertente mais excêntrica. Algumas experiências sonoras não acertam no alvo mas, no geral, o disco representa um enorme salto qualitativo em relação ao anterior “Visions”.
Há, também, uma evolução em relação a factores como a produção, a composição e a prestação vocal da cantora.
Grimes prova com este disco que não tem medo de correr riscos, diversificando o seu som e elevando-o a outro patamar. Audacioso e excessivo, “Art Angels” é uma seta apontada ao coração do mainstream.
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