A bordo de uma nave espacial, assinou com os Capitães da Areia um dos discos essenciais da música portuguesa da última década. Agora a solo, Pedro de Tróia diz-nos que “Depois Logo se Vê”, uma confissão em estado pop que se ouve como um retrato da falha e da busca pela redenção – uma rodela que tem rodado em modo repeat aqui pela redacção. Antes do adiamento do concerto no Musicbox e da instalação do estado de emergência, enviámos algumas questões ao Capitão Tróia. Para ler com passos lentos.
Depois de viajarem a bordo do Apolo 70 e de terem conquistado meio universo, esperar-se-ia que os Capitães regressassem em grande para uma nova missão espacial. O que ditou o fim da banda? O peso do disco foi demasiada areia para a vossa nave?
Não acredito que alguma coisa tenha ditado o fim da banda, tanto quanto não acredito que a banda tenha chegado ao fim. Parar nem sempre é morrer.
Entretanto, e até à saída desta tua primeira rodela em nome próprio, passaram-se cerca de cinco anos. Como foram os teus calendários musicais durante este período ou, posto de outra forma, de que forma continuaste ligado à música? Penso que chegaste a criar uma produtora com nome de lar para peixes.
“A Viagem dos Capitães da Areia a bordo do Apolo 70” saiu em 2015 e tocámos um ano e meio. No final de 2016 tive de fazer alguns balanços e em 2017 comecei a estar envolvido na escrita para publicidade e na produção de eventos. Em 2018 percebi que a existência artística me era vital e comecei a preparar o primeiro disco em nome próprio. Daí em diante foi reunir canções, tentar encontrar a direcção musical, começar ensaios, gravar, misturar, preparar as artes, procurar liquidez e enviar para a fábrica. Aquário Clube é a produtora com que irei assinar aquilo em que estiver envolvido daqui para a frente.
Segundo rezam as crónicas da mente, a terapia é coisa para levar couro e cabelo a muito boa gente. No teu caso a coisa ficou bem mais em conta, uma vez que transformaste o processo terapêutico num disco chamado “Depois Logo Se Vê”. Como chegaste até esta auto-análise com balanço pop e o aspecto de um diário?
Não fiz muito para a procurar. O disco já estava a acontecer algum tempo antes de ter decidido gravar. Ia-me adiando constantemente com o “depois logo se vê”. Nada era um problema. Até que de repente me vejo a ficar sem chão e rodo a perspectiva da minha consciência. Foi nessa altura que assumi que o disco tinha de ser gravado. Não sabia por onde começar mas sabia que não queria canções pensadas. Os arranjos, os vídeos, a montagem do concerto, tudo isso poderia e deveria ser trabalhado, mas as canções tinham de ser o resultado de momentos. Quase como uma máquina de fotografar com rolo. Neste disco reuni dez disparos. Dez instantes.
Em termos da escrita de canções, como é que foi passar de um mundo de puro gozo a outro onde o espaço e a temática é, toda ela, pessoal? E, ao fazê-lo, não tiveste receio de te estares a expor em demasia?
Respeitando a opinião, as letras dos Capitães não eram só puro gozo. Há canções onde é evidente o gozo e o delírio, mas tanto no primeiro disco (“O Verão Eterno d’Os Capitães da Areia”) como no segundo (“A Viagem dos Capitães da Areia a bordo do Apolo 70”) há letras que me dizem muito. Compreendo que possam não ser tão explícitas, mas vão ao osso. Contudo, é precisamente aí que identifico a passagem para este disco e este caminho em nome próprio: é claro. Quando escrevi as letras sabia que mais à frente deveria reescrever. Tinham de ser limadas. Não podia dizer as coisas de forma tão minha. Tinha de ajeitar alguns versos e dar-lhes beleza. Tinha também de me salvaguardar um pouco. Mas “depois logo se vê… depois trato disso” e lá fui adiando. Na véspera da gravação das vozes percebi que estou cansado dos “tu não podes”, “tens de”, etc da vida. Estas letras não foram escritas para mais ninguém. Foram escritas quando precisei de mim e um dia vou poder ouvir este disco como quem assiste a um filme duro e terno.
O Tiago Brito parece ter sido uma peça importante neste disco, não só pelo facto de o ter produzido como, também, por te ter aquietado quando as coisas pareciam ir a caminho de um descarrilamento mais do que certo. No final, parece que conseguiu que cada um dos temas expressasse as emoções por que estavas a passar aquando da escrita das canções.
O descarrilamento não era certo. Sou cauteloso. Talvez por isso tenha levado algum tempo até me sentir em condições de avançar com este disco. Mas concordo com o fundo da suposição. O Tiago foi crucial neste disco. Não só porque compôs comigo algumas canções mas sobretudo por ter compreendido o que ali se passava, e por ter tido a clareza e capacidade de indicar a direcção musical a seguir. Foi o responsável pelos arranjos e pela produção. Ensaiou todos os músicos até estarmos prontos para gravar. Teve uma excelente leitura e uma acção singular. Foi essencial e fez-me sentir descansado.
Charles Baudelaire gostava de se sentir sozinho no meio de uma multidão. Lendo as tuas letras, dir-se-ia que és um tipo solitário e que não consegue evitar entrar em duelos consigo próprio. Caminhas pela vida com passos lentos?
Sim. Importa-me mais procurar o sentido e a serenidade, do que atropelar-me por tudo. Quando dou um passo faço por deixar pegada.
E quanto ao amor? Tem sido para ti um motivo de embaraço ou já encontraste por aí a tua
Salvadora?
Foi sendo motivo de algum embaraço e inquietudes, mas por vezes vemos tudo mal quando afinal está tudo bem menos nós. Tenho aprendido muito. A “Salvadora” existe. É a maior prova de amor.
“Por dias claros” poderia bem ser o título deste disco, tema em que pareces assinar uma confissão que se ouve quase como um suspiro. Entre os dias que danças na sala e os outros em que vais segurando a cabeça à beira da cama, ainda acreditas em que a luminosidade possa entrar na tua vida antes do fim? Gravar este disco foi um pouco como abrir a janela e deixar que o mundo entrasse quarto adentro?
Não deixo de reconhecer a pertinência das tuas perguntas. “Por Dias Claros” foi um dos títulos que anotei no caderno, quando recebi as misturas finais. Mas acabei por me manter fiel à vontade primária. “Depois Logo Se Vê” tanto foi o erro maior, como o alimento deste disco. Não podemos passar a vida à espera dessa luz. Há que ir atrás, mesmo que pareça cada vez mais distante. Por vezes terminam escavações quando estão a centímetros do objecto procurado. Abri a janela do quarto onde estive, mas também deixei a porta aberta para o próximo lugar.
O que poderemos esperar dos concertos? Quem vais ter contigo em palco? Vão haver temas dos Capitães? Conta-nos tudo.
Dado o momento que estamos a atravessar, tive de adiar todos os concertos. Assim que estejamos mais tranquilos irei retomar os ensaios, com o Vasco Magalhães, o Vasco Abreu, o Silas Ferreira, o Tomás Branco e o Tiago Brito. É provável que cante algumas canções dos Capitães e outras que esta quarentena me tem levado a escrever.
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