O mais recente álbum de originais de David Fonseca, “Futuro eu” (Universal, 2015) apresenta à partida uma novidade: é o seu primeiro disco totalmente cantado em português. E será que a coisa resulta? Calma, já lá vamos.
Depois de lançar em 2012 o álbum em duas partes “Seasons Rising : Falling”, com vinte e cinco músicas editadas nesse ano, o cantor confessou que estava “cansado de compor” e de viver encafuado no seu estúdio caseiro em Leiria.
Seguiram-se os concertos de reunião dos Silence 4, a banda que deu a David Fonseca uma enorme projecção no final dos anos 90. Em simultâneo com esse olhar para glórias passadas, David compôs o seu novo álbum, isolando-se alguns dias por semana na casa dos avós, em Peniche. A opção por cantar em português surgiu inesperadamente, como motor de uma nova fase criativa.
O álbum começa com uma das melhores canções: uma agitada linha de guitarra e uma bateria musculada dão início a “Futuro eu”, faixa infecciosa, cheia de groove. As diabruras sonoras remetem para os Talking Heads, com algumas interjeições à mistura. É impossível deixar de bater o pézinho ao ritmo. É sem dúvida uma das pérolas pop do ano na música portuguesa.
Segue-se uma série de canções “orelhudas”, fortes candidatas a um airplay prolongado nas rádios portuguesas: “Chama-me que eu vou” é pop até à medula. “Deixa ser”, o dueto com Márcia, é uma balada com espessura emotiva, doce e honesta.
“Não dês só para tirar” leva-nos para caminhos mais próximos dos Sétima Legião, e inclui uma percussão surripiada a “When Doves Cry”, de Prince. Já “Hoje eu não sou” é uma cativante canção rock com um travo pós-punk, enquanto “Funeral” se aventura num universo electro-pop que faz lembrar os Balla de Armando Teixeira, com uma pitada de António Variações no refrão.
O cantor é bastante exigente no que diz respeito à componente gráfica e visual do disco. Esse cuidado é visivel no artwork e nos vídeos: o videoclip de “Futuro eu”, filmado no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, foi realizado pelo próprio David Fonseca. É apelativo e original, tão bom quanto a música que ilustra.
O músico leiriense descreve este 6º álbum como “o mais pessoal” da sua carreira, e a esse facto não será alheia a mudança de idioma. Passar do inglês para o português “foi qualquer coisa de muito radical em termos pessoais”, disse numa entrevista recente ao jornal Público.
Apesar de o disco não constituir propriamente um corte com a sua sonoridade habitual, o facto de ser cantado em português tem um impacto visível: a voz passou a ter um maior protagonismo. A dicção cristalina de David Fonseca assume agora um papel central, e o cantor revela um controlo apurado sobre a sua língua materna.
Uma certa tendência para arranjos grandiosos, que assombrava os discos anteriores, está – felizmente – mitigada. As músicas enxutas fazem de “Futuro Eu” um disco cheio de energia rock, feito de composições com nervo e clareza, músicas precisas e apelativas, letras honestas e verdadeiras. E não é que resulta mesmo?
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