• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Cem Soldos, Bons Sons
Música Com Cabeça 0

Cem Soldos ou a aldeia onde Tati seria verdadeiramente feliz

Por Pedro Miguel Silva · Em 18/08/2015

Filmada em 1949, “Jour de Fête” é uma das mais carismáticas comédias filmadas entre o preto e branco e a Thomson-color, que conta a história de um carteiro inapto que, frequentemente, interrompe os seus deveres para trocar uns dedos de conversa com os habitantes locais, que dele zombam assim que vira costas. Assombrado com o progresso dos serviços postais norte-americanos, o carteiro tentará competir com o avanço tecnológico fazendo uso apenas da sua bicicleta, levando-o a velocidades tão extremas quanto o número de gargalhadas que os espectadores vão lançando durante o filme, competindo com os esmerados e divertidos efeitos sonoros.

Durante os quatro dias que esteve em Cem Soldos, o Deus Me Livro não deu de caras com qualquer carteiro ou bicicleta desgovernada – e sobretudo com gente zombeteira -, mas não seria difícil pensar naquilo que viveu nesta pequena povoação de cerca de mil habitantes à luz do título que o filme de Jacques Tati ganhou na versão portuguesa: Há Festa na Aldeia.

Após 5 edições em modo bi-anual – iniciadas em 2006 -, o Festival Bons Sons, evento com um ADN assumidamente comunitário (ler aqui a entrevista ao director Luís Ferreira), decidiu este ano estabelecer-se como um evento anual, tentando fazer desta aldeia uma paragem obrigatória para quem quer juntar o espírito de aventura, a sede de descoberta, o apelo rural e a paixão pela música portuguesa, tudo num mesmo espaço geográfico.

Bons Sons, Cem Soldos

A partir do momento em que transpusemos uma das cancelas que fecham a aldeia durante a realização do festival, pudemos experienciar muito mais do que um festival urbano onde, para lá da música, pouco há a esperar. Aqui vive-se toda uma experiência de comunidade, que se vê invadida e que dá tudo de si para bem receber aqueles que, durante quatro dias, fazem de Cem Soldos a sua casa temporária.

A vida muda mas os habitantes, esses, não abandonam a aldeia até que o pó assente e os desconhecidos se vão embora. Continua a ir-se à janela regar as flores, a ir à rua passear o cão, a dar um salto ao café para assistir o jogo do clube do coração. E, também, a ir-se ao largo ver um dos muitos concertos, levando de casa uma cadeira ou usando um dos cafés que dão cor e perfume ao largo.

Para aqueles que gostam de petiscar, Cem Soldos é um pequeno paraíso pronto a ser descoberto, seja em restaurantes de formato mais tradicional, quintais preparados a preceito ou adegas com ar mais ou menos decrépito, dependendo do sentido de estética de cada um. Das sandes de queijo ao chouriço com pão, dos caracóis às moelas, das sopas aos pampilhos e jesuítas com amêndoa, nada falha para que o visitante se oriente mesmo com pouco dinheiro, nem que para isso recorra ao sempre prestável mini-mercado.

Bons Sons, Cem Soldos

É também um festival onde cabem várias gerações, desde bebés de colo – há música para crianças durante as manhãs – aos que já muito viram e muito hão-de levar desta vida, a crianças que enchem as ruas de risos, gritos e vida. E também não há passerelles, guias para bem vestir ou preocupações extremas com o aspecto, apesar de não terem faltado caras bonitas (e sobretudo felizes).

Este ano, o cartaz juntou nomes consagrados como Camané, Ana Moura e Clã a outros quase desconhecidos, num desfile entre música tradicional, rock experimental, jazz, folclore e muitos outros universos sonoros, permitindo somar o gosto pelo conhecido ao prazer da descoberta, fosse no palco do largo, no bonito coreto situado numa das entradas da aldeia, num palco enfeitado ao longe com fitas vermelhas ou numa igreja onde até um ateu poderia ter encontrado a paz de espírito. Ou numa garagem que acolhia qualquer artista ou banda que quisesse dar a conhecer a sua música.

Enquanto cumpria a preceito o slogan “vem viver a aldeia”, o Deus Me Livro ainda arranjou tempo para assistir a alguns concertos, dos quais deixa aqui impressões ao estilo telegráfico. Para o ano queremos regressar, a este lugar onde Jacques Tati seria, certamente, muito feliz. Houve festa na aldeia.

Bons Sons, Cem Soldos

Telégrafo Bons Sons

Francisca Cortesão levou até Cem Soldos a versão reduzida dos Minta & The Brook Trout,  acompanhada pelo ukelele e pela voz de Mariana Ricardo. Ainda que o vento tivesse tentado perturbar a actuação deste duo com a alma atravessada pela folk norte-americana, celebrou-se o amor e o desamor, a vida num estado perfeito de melancolia. É bom saber que há um novo disco a caminho.

Os OCO são uma espécie de Dead Can Dance em modo contido, onde ao estado de quase meditação a que induzem os espectadores se suprimem as vozes que levam o mantra ao estado estratosférico. De qualquer forma, a envolvência da percussão com instrumentos como o didgeridoo, a cítara ou a guitarra portuguesa ajudaram a que fosse alcançado um estado tremendamente zen.

Os Criatura ofereceram um festim onde, estranha e deliciosamente, moelas pareciam combinar bem com chocolate quente. Uma actuação onde ao funk, ao fado e a toda a interpretação da banda do imenso património musical e proverbial português, se juntou ainda o cante alentejano. Foi bom de ver. E ouvir.

Os Clã mostraram, uma vez mais, que ao vivo são um verdadeiro fenómeno, liderados por esse pequeno furacão com o nome de Manuela Azevedo. Refrões cantados a plenos pulmões, palmas a preceito, uma energia estonteante e contagiosa, num concerto onde foi clara a química entre a banda e o público. Descendência não lhes faltará.

Mesmo com uma qualidade sonora uns furos abaixo do desejado, os D`Alva mostraram que poderão ser muito mais que um efémero fenómeno pop. Há letras desafiantes, irreverência a rodos, um dedicado fazedor de beats e um entertainer incendiário, com espírito de cantor e alma de dançarino. Fiquem colados a estes rapazes, esperam-se daqui coisas muito boas.

Bruno Pernadas é um daqueles músicos que, dentro da sua cabeça, deve dar guarida a uma orquestra inteira, instrumentos incluídos. Na boa companhia de oito ilustres músicos – Nuno Lucas (Tape Junk), João Correia (Tape Junk, Julie & The Carjackers), Afonso Cabral (You Can`t Win Charlie Brown) e Francisca Cortesão (Minta) estiveram entre os eleitos -, o autor de How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge empreendeu uma viagem de longo curso e com várias escalas, num avião partilhado pela folk, pelo jazz alienado, pela pop com travo a praia – penteada à moda Beatlenesca por um barbeiro com pinta de Jim Morrisson – e todo um tipo de sons e ritmos que fazem dele um escultor pop num universo criativo onde a delicadeza corre para a par com a experimentação.

Ana Moura é a personificação do fado pop sexy, da desconstrução do género musical onde, às guitarras portuguesas, se juntam teclas, baixo e bateria. Há palmas a acompanhar, refrões cantados por um largo inteiro, temas clássicos da fadista a que se junta, por exemplo, uma versão de um tema dos Rolling Stones. Quem disse que é preciso silêncio para se ouvir o fado? Uma senhora.

Tio Rex é ainda um segredo bem guardado da folk nacional, seja com pronúncia inglesa ou sotaque à Camões. Num concerto que teve lugar na casa do Senhor ouviram-se muitas palmas, viram-se sorrisos e não se esconderam as lágrimas, numa celebração de onde todos saíram de alma limpa e coração cheio.

 

Galeria Fotográfica

Bons SonsCem Soldos

Pedro Miguel Silva

Pode Gostar de

  • Warhaus, Deus Me Livro, Crítica, Reportagem, Concerto, Everything is New, Aula Magna, Música Com Cabeça

    Warhaus @ Aula Magna (27/4/2025)

  • DeBÍ TiRAR MáS FOToS World Tour, Deus Me Livro, Concerto, Live Nation, Rimas Nation, Bad Bunny, DeBÍ TiRAR MáS FOToS, Música Com Cabeça

    26 de Maio de 2026 será o Dia da Fotografia (e de Bad Bunny) em Portugal

  • Joep Beving, Casa da Música, Deus Me Livro, Concerto, S. Luiz Teatro Municipal, Música Com Cabeça

    16º Misty Fest arranca ao som do piano de Joep Beving

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Música Com Cabeça

  • Warhaus, Deus Me Livro, Crítica, Reportagem, Concerto, Everything is New, Aula Magna,

    Warhaus @ Aula Magna (27/4/2025)

    12/05/2025
  • DeBÍ TiRAR MáS FOToS World Tour, Deus Me Livro, Concerto, Live Nation, Rimas Nation, Bad Bunny, DeBÍ TiRAR MáS FOToS,

    26 de Maio de 2026 será o Dia da Fotografia (e de Bad Bunny) em Portugal

    06/05/2025
  • Joep Beving, Casa da Música, Deus Me Livro, Concerto, S. Luiz Teatro Municipal,

    16º Misty Fest arranca ao som do piano de Joep Beving

    05/05/2025
  • Micah P Hinson, Deus Me Livro, Concerto, Musicbox,

    Micah P Hinson vem celebrar connosco o Gospel do Progresso

    21/04/2025
  • Memória de Peixe, Culturgest, Deus Me Livro, Crítica, Deus Me Livro,

    Memória de Peixe @ Culturgest (16-4-2025)

    21/04/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto