Diz o povo, mostrando uma centelha do espírito defensivo que fez da Grécia uma improvável campeã europeia, que não se devem dar passos maiores do que aqueles permitidos pelas pernas de cada um. Pois bem, no que toca ao autor de “Those who throw objects at the crocodiles will be asked to retrieve them“, as pernas deram lugar a Pernadas com o comprimento de andas, permitindo criar uma música que é, toda ela, resultado da ambição de dar vida a uma orquestra que habita no lugar do cérebro, fazendo deste – e no caso muito particular de Bruno Pernadas – uma sala de ensaios aberta 24 horas por dia.
Nesta nova rodela, editada em simultâneo com uma outra chamada “Worst Summer Ever”, Bruno Pernadas leva a sua visão musical a um nível acima do anterior “How Can We Be Joyfull In a World Full of Knowledge?”, num disco que é claramente mais pop, com faixas mais curtas e, musicalmente, mais propício à festa.
Logo em “Spaceway 70”, a faixa de abertura que ecoa após a leitura de um pequeno poema, se toma contacto com o fascinante e expansivo universo de Bruno Pernadas. Ouve-se um motor de arranque que poderia ter servido como uma luva à banda de Jim Morrisson, chega-se à frente um jazz com o perfume de picanha grelhada e o espírito de uma big band, enquanto se bebem cocktails a bordo de um barco do amor vendo os crocodilos a deslizar sorrateiramente nas águas.
Neste novo trabalho, Bruno Pernadas veste a pele de um Phileas Fogg e cruza grande parte do planeta, revisitando o achamento do Brasil, apanhando uma boleia através do caminho marítimo para a Índia ou descansando num bar americano com uma densa cortina de fumo.
Em “Galaxy”, por exemplo, é tempo de os sopros se chegarem (ainda mais) à frente, empurrados por um coro sempre afinado e uma bateria que parece estar em modo slide, convergindo para um buraco negro onde se mergulha para se sair numa paragem do outro lado da galáxia. Em “Ya Ya Breathe” assentamos pés no território de eleição de Pernadas, um tema que se estende para lá da dúzia de minutos: pop que faz a ponte entre uma Índia revolveriana – do legado Beatlenesco – e uma vertigem em formato spoken word, e que poderia bem ter sido arrancada a um disco de hip hop. “Lachrymose”, a canção que fecha o disco, é pop cristalina, de uma beleza tal que seria capaz de embalar crocodilos. Após se ter passeado por projectos como When We Left Paris, Julie & The Carjackers ou Suzie’s Velvet, Bruno Pernadas encontrou finalmente a praia onde se sente, sorte a nossa, como crocodilo na água.
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