Após se ter retirado de fininho da cena “No-Wave” de Chicago em meados de 1990, o vocalista, compositor e performer Bobby Conn não perdeu tempo e, pouco tempo depois, começou a construir uma séria reputação à boleia de performances extravagantes e excessivas, letras satiricamente políticas e um art rock dado ao experimentalismo que contava com o embalo da soul.
Seguiram-se rodelas como “Bobby Conn” (1997), “Rise Up!” (1998), “The Golden Age” (2001), “The Homeland” (2004), “King For a Day” (2007) ou “Macaroni” (2012), além de vários singles, colaborações e compilações. As suas colaborações regulares incluem a sua parceira e violinista Monica Boubou – com quem se costuma apresentar como dupla electro minimalista com faixas sequenciais -, o DJ e designer de som Adam “DJ Ledeuce” Greuel – com quem tem um programa de rádio semanal todas as segundas-feiras, na WLPN 105.5 FM Chicago, chamado “Post Modern Talking” -, a secção de ritmo de longa data constituída pela dupla Jim “Dallas” Cooper e Josh Johannpeter e outros músicos do cenário de jazz clássico e improvisado de Chicago.
Já este ano, com edição pela alemã Tapete Records, Bobby Conn lançou “Recovery”, com uma capa que, tal como o magnus opus de 1997 dos Spiritualized chamado “Ladies and gentleman we are floating in space”, promete o alívio da dor depois de tomadas as 15 gramas deste comprimido em forma de CD.
Um disco que, segundo Conn, nasceu de nos últimos anos ter dado por si a olhar para a América como um país amante do umbigo, obcecado com o ego e o individualismo ao invés de procurar ajudar os outros, apostando numa cultura que recompensa os que têm dinheiro e deixa à deriva os que não o têm, culpando-os por não estarem a tentar o suficiente. Algo que, para o artista americano, piorou e muito com a eleição de Trump, que recuperou a narrativa dos dias de glória económicos e a menção à pureza da raça.
Em “Recovery”, Bobby Conn pegou então no liquidificador e, antes de carregar no botão, atirou lá para dentro com 50 anos de art rock ensoularado, servindo-nos um cocktail com várias camadas – um pouco como se decidíssemos beber um B-52`s por linha de cor, ao invés de o emborcarmos como mandam as boas leis dos shots.
“Recovery”, tema sobre a interminável adição, convida-nos a seguir a linha de baixo e as vozes das sereias, de olhos fechados como manda Ulisses na sua Odisseia; “It all began with a tree. A tree and an ideia”, canta-se em “Disposable Future”, a história de um futuro tecnológico descartável que tem como narrador um Shaft dado às letras, numa malha festiva onde a soul é quebrada pelo som de violinos maléficos e maus presságios; “Good Old Days” é a pura rejeição da nostalgia, a negação de um passado que não trouxe bons ventos à América. Uma música que vai mudando de registo e de cenário, alternando entre o masculino e o feminino, num dueto que chega a soar como uma balada contemporânea dos INXS; em “No Grownups”, um teclado vintage chega-se à frente e diz não aceitar mais gente crescida, fazendo-nos cair num buraco onde habita uma família disfuncional – um tema que poderíamos facilmente imaginar na discografia de Ezra Furman; “Brother” retorna ao modo Shaft e lembra-nos que é demasiado fácil ignorar o sofrimento que nos rodeia; em “On The Nose” há fumo de citronela, num desfile de moda que, ao invés da liberdade, pede a instalação da revolução. Uma viagem de carrossel que tanto nos leva de volta aos anos 80 como nos oferece um violino tresloucado fora de tempo – quase tão tresloucado como aquilo a que Patrick Wolfe nos habituou. Há guitarras eléctricas e la Queen, coros nos fundos e kitsh para dar e vender; “Bijou”, ode a um teatro porno gay que fechou portas em Chicago, é qualquer coisa como disco violin, Sun Project para aqueles que não gostam de trance. Um tema que nos faz imaginar uma super e estranha banda que conseguisse cruzar The The com Scissor Sisters; “Disaster” é pura esquizofrenia, qualquer coisa como os sonhos eléctricos de Philip Oakey & Giorgio Moroder com um pouco mais de fúria e uns bons copos a mais; “It`s a Young Man`s Game” lembra-nos que, por vezes, há que mudar de jogo, trazendo-nos um Jarvis Cocker em modo Sisters of Mercy a tentar resolver um puzzle musical com 5000 peças imaginado pelos Beatles e os Tame Impala; a fechar a loja temos “Always Already”, um tema niilista que é uma despedida a preceito de um disco onde se descobre um dealer de serviço, judeus em grande, um anti-conformismo em modo manifestação e um comité de boas-vindas ao Apocalipse. Queer disco em modo Liga de Campeões.
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