Se houvesse um estudo para apurar que banda do universo pop/rock melhor teria transposto, para a música, o seu próprio crescimento etário e a forma de olhar o mundo – e acima de tudo a tentativa de o compreender – ao longo dos anos, muito provavelmente a escolha iria recair nos blur, banda nascida em terras de Sua Majestade e formada pelos não Sir`s Damon Albarn, Graham Coxon, Alex James e Dave Rowntree.
Alguns exemplos: “Leisure”, o disco de estreia da banda lançado em 1991, estava carregado de borbulhas e parvoíces comuns à adolescência, tentando apanhar a boleia da onda Madchesteriana que ainda mantinha uma boa crista; “Parklife”, o terceiro longa-duração lançado três anos mais tarde, chegou como um álbum conceptual criado a partir do romance “London Fields”, de Martin Amis, onde se olhava, com muita ironia, humor e alguma tristeza, para toda essa manta de retalhos chamada Grã-Bretanha; após “The Great Escape”, o disco que enterrou de uma vez por todas a britpop – mas que só pelo facto de ter canções como “Best Days”, “The Universal” ou “Yuko and Hiro” merece o céu – os blur lançam, em 1997, o seu álbum homónimo, numa sonoridade que se aproximava de uns Pavement ou de uns Sonic Youth, e onde Damon Albarn começa a deixar para trás os personagens ficcionais para escrever essencialmente sobre si próprio; em “Think Tank”, lançado em 2003 – e a sua sétima rodela -, os blur atiraram-se quase de cabeça à electrónica, num disco a roçar o conceptual que versava sobre amor e política, dois temas que têm andado, quase sempre, de mãos dadas com estes rapazes.
Não se pode dizer que Albarn – sobretudo este – e companhia se tenham ido verdadeiramente embora, mas a verdade é que os blur, exceptuando algumas reuniões ao estilo universitário ou de uns novos temas lançados em 2013 aquando da realização do Record Store Day, não editavam um disco desde “Think Tank”, pelo que “The Magic Whip” (Parlophone, 2015), lançado este ano após se terem passado uma dúzia (!) de anos, chegava com demasiados pontos de interrogação: soará requentado pelo tempo? Será um motivo de vergonha para os fãs de longa data – e de riso para as novas gerações? Fará parte do legado da melhor banda britânica desde os Beatles? Não, não e sim, por esta ordem.
O disco começou a nascer quase por acaso, quando o grupo estava no Japão para tocar no Tokyo Rocks Music festival que, por razões desconhecidas, acabou por ser cancelado, deixando a banda em Hong Kong durante cinco dias onde se distraiu a trabalhar em novo material. Um ano depois, porém, Albarn confirmava que havia de facto cerca de 15 canções, mas que por não ter escrito as letras na altura não saberia dizer se o disco teria pernas para andar, mesmo confessando que algumas das canções eram, modéstia à parte, fabulosas.
Em Novembro de 2014, Graham Coxon, o bad boy da banda, recebeu luz verde de Albarn para trabalhar nas gravações com o produtor Stephen Street – que havia trabalhado com a banda no disco homónimo de 1997 -, enquanto Albarn se divertia na sua tour pessoal à volta de “Everyday Robots”. Quando a produção estava a uma unha negra de chegar a bom porto Coxon mostrou o resultado a Albarn que, de regresso da tour australiana em Dezembro desse mesmo ano, parou em Hong Kong para tentar uma epifania lírica. O resto é mais ou menos história: as vozes foram gravadas em Janeiro de 2015, a masterização do disco ficou completa no mês seguinte e, em Abril, “The Magic Whip” era lançado à escala mundial, isto depois de já vários singles terem sido lançados no youtube.
“The Magic Whip” é um disco tremendamente inspirado que, na sua essência e estrutura musical, é composto pelo núcleo duro criativo dos Blur, quase como um Best Of gravado a Oriente entre o romantismo e a inquietude, lugar geográfico que acabou por ter muita influência nos adornos musicais que habitam em praticamente todas as canções.
Desta vez há um espaço infinito tanto para Albarn como para Coxon brilharem e nos encantarem com os seus truques, num lugar onde a melancolia se torna amiga do peito da era digital e onde os blur soam como uma entidade única, que continua a oferecer ao mundo um dos mais fascinantes legados da música com sabor a pop. “He going to the lo-o-cal oohh”, cantemos de peito aberto.
Sem Comentários