“Drafty Moon” (Lux Records/Omnichord Records, 2021) é uma criatura forjada pelo músico e compositor JP Simões, figura ilustre da música portuguesa há muitos anos. São diversos os projectos onde deixou o seu carimbo – Quinteto Tati, Belle Chase Hotel e Pop Dell’Arte são os nomes habitualmente mais citados.
Empurrado pela Revolução dos Cravos, JP emigrou em 1974 para o Rio de Janeiro, com apenas cinco anos, e por lá assentou arraiais durante cerca de um ano. Resultado disso ou não, o perfume dos trópicos transparece amiúde na sua discografia. Veja-se “1970”, o primeiro álbum a solo, de 2006, onde desfila um baile de fantasmas brasileiros como Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
“Drafty Moon”, o mais recente LP, não contém nada disso. O primeiro álbum sob o heterónimo Bloom, “Tremble Like a Flower”, de 2017, ainda apresentava laivos de guitarra folk e suavidade litoral. Neste segundo tomo, porém, JP afasta-se deliberadamente das referências habituais, e abre a porta às tensões electrónicas e roqueiras da música anglo-saxónica.
O compositor assume a influência da chamada trilogia de Berlim, do camaleão David Bowie: “Low”, “Heroes” e “Lodger”, discos míticos lançados entre 1977 e 1979. Para além destes, é bem audível o peso do álbum terminal de Bowie, “Blackstar”, na falta de luz dos ambientes e nos apontamentos de saxofone que pontuam alguns temas. O início de “Pull Yourself Together” é um bom exemplo.
A interpretação vocal surge sempre a meio caminho entre Bowie e Scott Walker, com mais ou menos distorção. Mas as protagonistas do disco são as guitarras de Miguel Nicolau, co-produtor, autor dos arranjos e cúmplice criativo de JP. O músico dos Memória de Peixe deixa uma marca forte – canções como “There’s Something About Tomorrow”, construída em cima de uma guitarra funky, ou a energética “Bleeding All Over”, que podia ser um tema dos Bauhaus, confirmam-no. Nota positiva para as percussões incomuns, que revelam cuidado na produção e criatividade na arquitectura musical.
A surpresa reserva-se para perto do fim do alinhamento: “Shinjuku Station”, penúltima canção, abre como uma arejada construção ambiental, e entra a voz, próxima do registo de charme de Bryan Ferry. Assoma depois um elegante tema pop, onde não falta nova piscadela de olho a Bowie, desta vez ao tema “Wild is The Wind”. São 4 minutos e 33 segundos que pedem inúmeros repeats.
O disco “foi feito com corpo e alma”, declarou já JP Simões. “A base foi quase sempre feita por mim, a guitarra e a voz. Depois o Miguel ficava sozinho com as músicas – durante várias horas seguidas, aparecia com umas olheiras até aos joelhos – e aquilo estava noutro mundo”. É um mundo de cores e texturas, onde coabitam guitarras cristalinas e as tintas negras da melancolia.
Para breve prevê-se novo disco de Bloom que, segundo o próprio JP Simões, será completamente diferente: “São canções de confinamento, canções simples, de guitarra e voz”. Faz sentido. Se há algo em comum entre JP Simões e David Bowie, é que ambos sempre detestaram repetir-se.
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