Entre 1993 e 1994, a SIC ofereceu um programa a uma ainda jovem Alexandra Lencastre, onde esta, entre um sentar descontraído e um deitar pouco inclinado, entrevistava informalmente e numa cama algumas figuras nacionais da época. Na noite de 17 de Fevereiro, quem esteve no Lisboa ao Vivo não se deitou propriamente na mesma cama dos Big Thief, mas a coisa andou bem lá perto. Qualquer coisa como isto: “Na sala de ensaios com os Big Thief”.
Fosse ou não por este ter sido o primeiro dia de uma nova tour europeia, depois de uma pausa de três meses, a banda de Adrianne Lenker (voz, guitarra), Buck Meek (guitarra, coros), Max Oleartchik (baixo) e James Krivchenia (bateria) fez deste concerto um descarado tubo de ensaio, oferecendo aos devotos espectadores uma mostra do que é estar em pleno acto criativo, transformativo e, a espaços, derrapante, com momentos que foram da intimidade à caricatura, arranjando ainda tempo para sacar dois novos temas da banda e outros dois do rosário de Lenker.
Foi, aliás, Adrianne a abrir a noite com “Two Rivers”, uma nova canção tocada à guitarra enquanto que, como num quadro vivo, os restantes membros da banda se iam preparando para esta sessão algo informal e com ares de teatralidade.
No último e magnífico “Two Hands”, a banda sacou de um protocolo indie pouco usual, mergulhando nas canções quase sempre de cabeça e sem preâmbulos, apontando directamente ao osso, aos nervos e ao coração. Afinal, os Big Thief destacam-se de entre os demais pela forma desprendida e sincera com que se parecem entregar à música, a que não é alheia alguma mistura de timidez e o uso poucos artifícios, onde a delicadeza surge na maior parte das vezes envolta em camadas sonoras de electricidade capazes de alimentar uma cidade inteira.
Uma forma de estar que se evidenciou e bem nesta noite no LAV onde, para lá do engano na letra de “Shark Smile” ou de duas interrupções durante alguns temas – onde se virou para a banda a pedir para tocarem de forma mais acelerada ou lenta consoante o feeling -, Adrianne ainda esteve, depois de mais um início em falso, a afinar descontraidamente uma viola de doze cordas durante uns bons dez minutos – alguém gritou a certa altura “take your time” -, para no final se aborrecer e dizer que afinal já não iria tocar aquela. Deu mesmo para tudo.
Pelo caminho e até à ovação estrondosa, momentos kodak como “Mythological Beauty”, que revela uma tarola com vida própria e o surgimento dos primeiros gritos primitivos de Lenker; “The Toy”, onde quase se consegue ouvir uma roca a ser abanada no quarto de uma criança feliz; “Capacity”, canção feita de avanços e recuos, onde tanto cabem criaturas que cospem fogo como silêncios que fazem cócegas na pele de galinha; ou “Mary”, canção de embalar que se ouve de olhos fechados enquanto se reza um terço invisível a um deus escolhido de acordo com o credo de cada um.
Uma experiência vivida de coração aberto, numa versão indie daquilo que PJ Harvey fez na gravação de
“The Hope Six Demolition Project”, com a diferença de que, aqui, o estúdio dos Big Thief conseguiu meter toda a gente lá dentro. Como dizem os meninos e as meninas, um concerto que foi uma pequena “Masterpiece”.
Fotos: Luís Sousa/Música em DX
Promotora: Ritmos
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