O consenso está longe de ser uma meta procurada pelos melómanos do Deus Me Livro, pelo que divulgamos as escolhas musicais de 2017 de quatro dos nossos colaboradores. Uma lista única teria implicado muitos cigarros, ainda mais shots e uma discussão tão acesa quanto a do video-árbitro andar a dormir ou a mandar choques sempre para o mesmo lado. Partilhem também as vossas escolhas na caixa de comentários.
As escolhas de Eurico Ricardo
10. The War On Drugs | “A Deeper Understanding”
Chegados a 2017, os The War On Drugs assumem a maturidade e a coerência melódica que continua a destacá-los.
9. At The Drive In | “in•ter a•li•a”
Um registo portador de uma matriz sonora muito semelhante aquela que os tornou numa das bandas mais especiais do rock experimental.
8. Benjamin Booker | “Witness”
Mistura de punk com blues, num punhado de temas que tem como pano de fundo as reivindicações raciais.
7. Queens Of The Stone Age | “Villains”
Registo mais imediato que o disco anterior, “Villains” recorda a real essência dos primórdios dos Queens Of The Stone Age: canções em forma de descarga sonora incessante que eleva as guitarras ao alto.
6. Julien Baker | “Turn Out The Lights”
Disco centrado na voz consternada de Julien, que surge acompanhada de um piano e uma guitarra eléctrica que explode, muito espaçadamente, provocando vibrações sonoras celestiais que rumam à salvação.
5. Moses Sumney | “Aromanticism”
Grande revelação de 2017, Moses Sumney atreveu-se a dar-se a conhecer ao Mundo com um lote de canções complexas, portadoras de uma mensagem subliminar que pode ser indigesta. Um registo introspectivo que requer toda a atenção.
4. Grizzly Bear | “Painted Ruins”
Com “Painted Ruins”, disco que quebrou um jejum de cinco anos, os Grizzly Bear não quiseram distanciar-se das obras primas lançadas anteriormente. Repetem-se as orquestrações melódicas, num aperfeiçoamento sonoro cumprido com sucesso.
3. LCD Soundsystem | “American Dream”
Dez temas com um sentimento de familiaridade com tudo o que James Murphy ofereceu no passado, e que fizeram dos LCD Soundsystem uma das bandas de maior culto do novo século.
2. Kendrick Lamar | “DAMN.”
A confirmação de um talento ímpar e único da música contemporânea, que rebenta a escala da expectativa com um disco genuinamente rap recheado de mensagens ideológicas.
1. Bully | “Losing”
Segundo registo dos Bully, primeiro a cargo da prestigiada Sub Pop, onde por várias vezes a voz da vocalista Alicia Bognanno perde a polidez de forma a acompanhar a escalada que a guitarra eléctrica faz contra a bateria. Canções que confrontam a frustração com a mágoa e a zanga, à boa maneira do grunge mais underground.
As escolhas de João Pedrosa
10. Zola Jesus | “Okovi”
Regresso em grande da Princesa do Gótico, que traz o selo da excitante Sacred Bones Record, com tudo aquilo a que Zola Jesus nos habituou: noise, industrial e eletrônica.
9. Yellow Days | “Is Everything Okay In Your World?”
Disco de estreia de mais um miúdo maravilha. As comparações com King Krule são excessivas, uma vez que Yellow Days é bem melhor, tal como comprovam temas como “That Easy” ou “I Believe in Love”.
8. Sleaford Mods | “English Tapas”
Os Sleaford Mods mantêm a formula que já nos habituaram: um computador a lançar as batidas e Jason Williamson a debitar palavras. A aventura punk eletrônica dos Sleaford Mods continua a fazer-se em grande estilo.
7. Protomartyr | “Relatives In Descent”
A melhor banda da atualidade na categoria post-punk, que no dia 12 de Abril do próximo ano passa pelo Musicbox.
6. John Maus | “Screen Memories”
Um dos discos obrigatórios nas pistas de dança mais criteriosas, com synth-pop, post-punk e uma voz capaz de fazer corar Ian Curtis.
5. Destroyer | “ken”
Os Destroyer lançam-se nos caminhos da electrónica, num não tão imediato com os anteriores e que vai crescendo a cada audição, mantendo Dan Bejar com um dos melhores compositores da actualidade.
4. Fever Ray | “Plunge”
Depois do fim dos The Knife, Karin Dreijer voltou a pegar na sua aventura a solo. “Plunge” é o seu segundo de originais, de onde faz parte “IDK About You”, que é bem capaz de ser dos temas mais geniais de 2017 – pelo menos é o mais mexido, impossível não dançar ao ouvir isto.
3. Alex Cameron | “Forced Witness”
Depois da estreia com “Jumping The Shark”, em 2014 – mas que só teve visibilidade em 2016 -, Alex Cameron não precisou de tanto tempo para “Forced Witness” chegar ao grande público. Para isso muito contribuiu “Stranger’s Kiss”, tema que conta com a colaboração da nova coqueluche indie Angel Olsen. Mais do que merecida esta medalha de bronze.
2. Broken Social Scene | “Hug of Thunder”
Desde aquele álbum homônimo de 2005 que os Canadianos Broken Social Scene não davam um abraço tão gostoso, daqueles que parecem salva-vidas.
1. Beck | “Colors”
Beck disse que “Colors” é um disco de quem foi ao fundo e conseguiu regressar à tona, voltando a ver o mundo com as cores todas. Diz também que as melhores músicas são as que te deixam feliz por estares vivo, e isso sente-se em cada música. A obra-prima Pop de Beck.
As escolhas de Nuno Camões
10. Phoenix | “Ti Amo”
Foi um dos álbuns do verão de 2017 – um fresco gelatto italiano, que a banda francesa ofereceu ao vivo, no palco do NOS Alive. Em tempos de pessimismo, “Ti Amo” é um rebuçado pop elegante e solar, que faz lembrar que por mais negras que as coisas pareçam há que manter o bom humor e a capacidade de desbunda. Os Phoenix conseguiram o que Beck tentou – sem sucesso – com o plastificado “Colors”: um arejado e vibrante álbum pop.
9. Courtney Barnett/Kurt Vile | “Lotta Sea Lice”
Gravado em Melbourne, no decurso de dois encontros de pouco mais que duas semanas cada, “Lotta Sea Lice” nasce da admiração mútua dos artistas, e da vontade de fazer alguma coisa juntos sem grandes expectativas. Surpreendentemente, o disco é uma pérola preciosa, recheada de grandes temas. Tanto as vozes como as guitarras se entrelaçam com harmonia e bom gosto, realçando as forças de ambos os intérpretes. Uma agradável surpresa.
8. Baxter Dury | “Prince of Tears”
Antes de mais há “Miami”, viciante tema gangsta-disco ou coisa que o valha, onde Dury se apresenta como “mr. maserati” e “the night chef”, com humor e bazófia, embalado por um baixo maquiavélico e nocturno. Depois há um álbum preciso, coeso, confessional, onde o cantor confronta os seus demónios com uma galeria de personagens sórdidos mas sofisticados. Ao quinto álbum, o filho de Ian Dury está em grande forma.
7. Royal Blood | “How Did We Get So Dark”
2017 testemunhou o regresso dos Royal Blood, com mais 40 minutos de puro rock até ao tutano. É um bombardeante acervo de riffs e batidas old school – um melódico monstro sonoro. Temas do calibre de “I only Lie When I Love You” ou “Where Are You Now”, garantem que o futuro do rock n’roll está seguro com estes rapazes.
6. Cigarettes After Sex | “Cigarettes After Sex”
Autores do disco mais hipnótico do ano, o quarteto do Texas descende de uma longa linha sonora, que vai dos Mazzy Star aos Beach House, vulgarmente chamada “dream-pop”. O que faz a diferença é a voz andrógina de Greg Gonzalez – muita gente pensa que o barbudo vocalista é na verdade uma sensual señorita -, bem como um baixo assertivo, guitarras atmosféricas e composições bem definidas e cativantes.
5. Queens of The Stone Age | “Villains”
Com 20 anos de carreira em cima do lombo, os Queens of The Stone Age não acusam qualquer cansaço e parecem refinar-se a cada novo álbum. “Villains” não foge à regra – apesar de contar com o mestre do funk Mark Ronson na produção, não é nenhuma reinvenção, antes um apuramento da fórmula patenteada por Josh Homme. “Feet Don’t Fail Me” e “The Evil Has Landed” entram directamente para a galeria de clássicos dos Queens.
4. Alex Cameron | “Forced Witness”
Se colocássemos num copo misturador um bocadinho de Whitesnake, uma porção generosa de Springsteen, bateria à Phil Collins e uma grossa fatia de ironia, o resultado seria este segundo disco de Alex Cameron. O australiano fugiu do indie electrónico de “Jumping the Shark”, o primeiro álbum, e aterrou nos anos 80 para um exercício que não é só nostalgia. Há neste disco um apurado sentido de melodia, refrões açucarados e letras ácidas e corrosivas. Um todo inspirado que produziu uma das canções do ano: “Stranger’s Kiss”, dueto com Angel Olsen.
3. Spoon | “Hot Thoughts”
É mais um álbum brilhante por parte de um dos colectivos mais consistentes que por aí andam. É raro ver uma banda veterana como os Spoon, com um som e um estilo tão bem definidos, apresentar um trabalho onde descobre novas e interessantes facetas. Britt Daniels mantêm a mãozinha inspirada nas composições, conseguindo revitalizar o som da banda com uma óptima colecção de canções.
2. Father John Misty | “Pure Comedy”
O californiano Josh Tillman concebeu o álbum mais ambicioso de 2017 – em mãos menos capazes poderia ter sido uma cacofonia pretensiosa, mas Tillman é demasiado talentoso para deixar que tal acontecesse. Composições clássicas, observação apurada, grandes temas e um sentido de humor corrosivo são componentes do melhor trabalho de Father John Misty até à data. Uma fantástica exploração daquilo que significa ser humano nos dias que correm.
1. LCD Soundsystem | “American Dream”
Quem diria que um álbum em tempos considerado impossível viria a ser o melhor do ano? Depois de um lendário concerto de despedida em 2011, o regresso mal-amado deste ano deu frutos: o quarto álbum dos LCD Soundsystem foi uma pirueta magnífica para James Murphy e companhia: atitude a rodos, letras desencantadas e ritmos irresistíveis fizeram de “American Dream” um dos grandes acontecimentos musicais de 2017.
As escolhas de Pedro Miguel Silva
10. The Mountain Goats | “Goths”
A banda que para desespero de muitos nunca visitou Portugal reinventa o seu som em “Goths”, décima sexta rodela desta banda indie liderada por John Darnielle. Uma carta de amor geográfica, nostálgica, mas nunca piegas.
9. The Magnetic Fields | “50 Songs Memoir”
Tal como aconteceu com “69 Love Songs”, Stephen Merritt criou um disco conceptual que recria, com muita pop e ainda mais magnetismo, cada um dos seus 50 anos de vida. Porém, mais do que uma autobiografia, há aqui uma história musical do mundo.
8. Kevin Morby | “City Music”
Mais um retrato de Nova Iorque pelos olhos de Kevin Morby, entre o lamento da perda da inocência e a esperança numa civilização que está cada vez mais perto do desaparecimento.
7. Mark Eitzel | “Hey Mr. Ferryman”
Habituámo-nos, no mundo do crime doméstico, a dizer que a culpa era quase sempre do mordomo. No caso de “Hey Mr. Ferryman”, a culpa é mesmo de um mordomo chamado Bernard que, com uma produção exemplar – que envolveu tocar praticamente todos os instrumentos de uma ponta à outra -, deu nova vida às canções de Mark Eitzel, retratos crus e de um humor requintado que apontam o caminho da luz às almas inquietas.
6. Nadia Reid | “Preservation”
Voz, melodia e palavra, numa simplicidade desarmante que fazem de Nadia Reid um dos grandes talentos actuais da folk (com um ligeiro tempero jazz). Material confessional transformado em canções de primeira água.
5. Destroyer | “ken”
Mais um bravo capítulo de uma das mais crípticas e entusiasmantes bandas da actualidade, que navega entre guitarras em distorção máxima e sintetizadores que devolvem a tranquilidade. Um disco com o negrume que se pedia e reminiscências de Cure, New Order ou Joy Division.
4. Kendrick Lamar | “Damn”
Uma brilhante combinação entre o espírito old school, a inquietação do presente e a antecipação do futuro, no disco onde Kendrick deixa de lado o embrulho jazz de “To Pimp a Butterfly” para um registo mais melódico e espiritual, num olhar sobre o mundo e as suas muitas contradições.
3. Lorde | “Melodrama”
Lorde convida-nos para a festa onde celebra e chora uma separação amorosa, num cenário em que para além dos balões e de um bolo bem decorado há espaço para o drama e uma procura insana pela catarse. Quem disse que a pop mainstream não pode ser um luxo?
2. Aldous Harding | “Party”
Aldous Harding esconde dentro de si um Jekyll mas também um Hyde, navegando entre as extremidades de uma voz que canta cada uma das sílabas como se apertada pela Santa Inquisição. Ouvir “Party” é entrar numa escuridão da qual não apetece mais sair.
1. Luís Severo | “Luís Severo”
Oito canções, todas com Lisboa como cenário, onde se fala do Amor mas também de uma cidade que sufoca ou da escola como um motivo para insónias ou pesadelos. Uma autobiografia alfacinha que, apesar de profundamente solitária, esconde uma orquestra bem composta num disco cheio e luminoso. Um testemunho de uma demanda pelo amor capaz de fazer nascer flores na alma, manchas na pele e memórias no coração.
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