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António Zambujo, Voz e Violão, Deus Me Livro, Disco, Crítica
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António Zambujo | “Voz e Violão”

Por Pedro Miguel Silva · Em 19/04/2021

E só com uma voz
e uma guitarra, eu fiz
Parar a rua inteira
Parar a rua inteira

As palavras pertencem a Pedro da Silva Martins, o motor lírico e de alta cilindrada de uma banda chamada Deolinda, mas é na voz de António Zambujo – e no tema Lote B – que elas atingem o auge do encantamento. Como uma espécie de Xerazade nascida para os lados do Alentejo, Zambujo é rapaz para entupir o trânsito sem ter de recorrer a manobras de polícia sinaleiro, bastando-lhe esse timbre que transforma cada canção num conto que queremos escutar com toda a atenção – mesmo que para isso tenhamos de estacionar numa valeta e chamar mais tarde o reboque.

A mais recente aventura discográfica de António Zambujo dá pelo nome de “Voz e Violão” – chega às lojas a 23 de Abril -, um disco marcado pela simplicidade sonora – o título deve ler-se à letra – onde se (en)canta em português, em castelhano e em inglês – e no qual o amor e a falta dele surgem como as notas dominantes. Ao todo temos 13 histórias alheias, que António Zambujo transforma em suas numa celebração do essencial onde o silêncio desempenha também o seu papel.

Lote B, tema escrito por Pedro da Silva Martins, tem tudo para ser cantado no rebuliço de um coro ou na pacatez do duche, um tema que atravessa o adiamento do amor, os sentimentos guardados numa gaveta ou a vertigem da perda para, do nada, levar à descoberta de um outro coração numa geografia vizinha.

Maria do Rosário Pedreira assina a letra de Visita de Estudo, onde no fundo de uma gaveta se descobrem “Dois pardais dentro do ninho/E um coração com uma seta”, trazendo de regresso o sabor do primeiro beijo, a primeira pele de galinha e um amor de infância vivido nos tempos da escola primária. E, a certo ponto, uma linha apaixonada que condensa o amor inocente: “Os pardais somos nós dois”.

Bricolage, canção em que Pedro da Silva Martins repete o papel de letrista, fala de um homem que confessa o seu amor aos sete ventos – “Ainda está para nascer alguém que supere o meu amor por ti” -, ainda que mostre pouco jeito para os trabalhos manuais, não tenha estômago para engolir críticas alheias e mostre um medo danado da ideia de paternidade.

Pião de Corda (letra de Miguel Araújo) mostra como enganar a solidão: sonhando com o infinito e fintando o castigo. Aqui, o mundo surge como um pião sustentado por um fio que gira faça sol ou faça chuva.

O Sol de Azar (letra de Agir) traz alguns ecos de Que Azar, tema celebrizado por S. Pedro, onde um tipo se vê assolado por todo o tipo de desgraças – uma chuva que chega um mês depois, uma borbulha em vésperas de um encontro prometedor, multas que saltam do porta-luvas, pneus furados, um telhado que ameaça ruir e uma ressaca de todo o tamanho -, acreditando piamente que “O sol é de todos menos meu”.

A celulite em excesso está em grande em Sinais (letra de João Monge), a que se juntam pés de galinha, um peito descaído e um amor que sobrevive à erosão física para lá de todas as inspecções periódicas e revisões cíclicas.

Ray Evans assina a letra de Monalisa, uma viagem algo Sinatriana entre o real e o ficcionado, onde se tenta desvendar o que se esconde por detrás do sorriso desta mulher enigmática: será paixão ou apenas um disfarce para um coração partido?

O sotaque de nuestros hermanos chega em Tu Me Acostumbraste (letra de Frank Dominguez), onde nem uma sucessão de coisas maravilhosas e a desbunda da tentação servem para responder à pergunta do milhão de dólares para o mísero estado de abandono: “Porque não me ensinaste a viver sem ti?”.

O clássico Rosinha dos Limões (letra de Artur Ribeiro e celebrizado na voz de Max) recupera essa miúda ligeira, alegre e que semeia ilusões, pronta a fazer do mercado uma banca de beijos.

António Zambujo, Voz e Violão, Deus Me Livro, Disco, CríticaComo 2 e 2 (letra e música de Caetano Veloso) serve-nos uma (in)verdade matemática sob a fórmula “Tudo certo como 2 e 2 são 5”, onde se conta para deixar no ar, se segue por contar e onde se canta para espantar todos os males deste mundo.

Em Escutando o Universo (letra de Diogo Zambujo) pedem-se desejos às luzes dos aviões e muda-se de cara e de corpo com o que se vai lendo nos livros, até que as saudades apertam e se vai assobiando para a frente: “Aprendeu que o fim não interessa/E que a vida é como uma canção”.

Pelo Toque da Viola (letra popular) é uma canção de embalar com o Alentejo a sorrir do lado de fora da janela, que antecede o grand finale com Adeus Parceiros das Farras (letra de Mascarenhas Barreto), onde assistimos ao adeus às farras, às sombras da cidade e às alvoradas de saudade, de um coração que transformou em soluço a voz e que faz do desespero um acto poético: “Quem morre não sofre mais/Mas quem parte é duro demais, é bem pior que morrer”.

A inspiração para este novo trabalho partiu do disco “João Voz e Violão”, o álbum de João Gilberto editado em 1999. Por falar em Brasil – e não só -, este disco mostra, ainda que tudo aqui surja de forma subtil, como Zambujo incorporou toda uma série de influências no seu cancioneiro, fazendo da música brasileira, do Cante Alentejano ou do Fado o seu – nosso – parque de diversões.

António ZambujoCríticaDeus Me LivroDiscoVoz e Violão

Pedro Miguel Silva

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