“– Tenho um amigo que diz uma coisa: não abras as gaiolas dos pássaros, senão morrem de liberdade.”
A frase pertence a “Nem Todas as Baleias Voam”, o mais recente livro de Afonso Cruz, mas dificilmente poderá ser aplicada ao Pássaro André – ou, como vai assinando no BI e nos discos, Andrew Bird. No dia em que o mundo ficou em choque com a eleição de Donald Trump para o cargo de Presidente dos Estados Unidos da América, Bird abriu as asas no CCB e deu um recital político ao abrigo do Misty Fest, num concerto onde a genialidade, a consciência cívica e o apelo à resistência foram uma constante.
“Olá a todos. Hoje foi um dia mau. Os meus sentimentos têm evoluído da vergonha à raiva. Ainda estou um pouco confuso. Vou daqui para a Cidade do México. Este é um tempo estranho onde se espera que as estrelas de rock sejam representantes da dignidade. Vamos fazer o melhor desta noite.”
Por esta altura estávamos apenas com duas canções e meia de concerto, mas a verdade é que a noite já estava ganha. Logo em “Capsized”, Andrew Bird mostrou que é um rocker de fato e gravata, fazendo do violino uma guitarra eléctrica e do assobio um poderoso grito. Neste seu regresso a Portugal, preferiu trazer a família e deixar a banda em casa, mas aquilo que se poderia perder em amplitude sonora foi compensado com uma capacidade inventiva, técnica e vocal que fizeram desta An Evening With Andrew Bird um momento íntimo partilhado por uma casa cheia, onde Bird alternou a capacidade de gravar e lançar pistas sonoras com o virtuosismo técnico enquanto músico, compositor e cantor.
“Esta é uma canção terapêutica, devia tê-la tocado mais cedo“, confessa depois de dar um show de bola em “Why?”, tema arrancado a “The Swimming Hour” – estávamos então em 2011. As referências ao dia em que a terra tremeu não paravam. Minutos depois interpretou “Sick Of Elephants”, tema que escreveu aquando da reeleição de George W. Bush, tentando entrar na cabeça dos seus compatriotas, decidido a encarar a verdade e a ser, porque assim o era exigido, (ainda) mais apaixonado.
Numa noite feita de muitas palavras, Bird explicou a história por detrás da incrível “Saints Preservus”, que escreveu originalmente para o Tarantiniano “Django Unchained” – acabou por ficar de fora do filme e da banda sonora – e que, mais tarde, acabou também por não entrar em Baskets, a série televisiva saída da cabeça de Zach Galifianakis. Felizmente houve espaço para ela em “Are You Serious”, o 13º disco de estúdio do músico norte-americano lançado este ano.
Bird recordou também uma visita anterior ao Aqueduto das Águas Livres, onde fez uma promessa cumprida no CCB: uma interpretação ao violino -e ao assobio – de “Uma Estranha Forma de Vida”, à qual certamente Amália Rodrigues teria sorrido. Bird disse de Portugal – “I love you” – ser o seu lugar favorito para tocar, brincando com o facto de os amigos lhe dizerem que deveria arranjar uma casa no nosso país. Um momento de descompressão que deu lugar ao remate político da noite, uma espécie de suster da respiração, vir novamente à tona e sorver sofregamente o ar, celebrando a vida: “Muitos dizem que se vão mudar. Acho isso pouco digno. Temos de voltar e resistir.” É esta a América dos nossos sonhos e fantasias, uma América que estará sempre viva com gente como Andrew Bird. Isto apesar de um pesadelo chamado Donald Trump.
Fotos de Luísa Velez.
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