Recorrente nas várias correntes das artes, verifica-se com frequência a convergência de artistas dedicados a áreas diferentes na sua expressão e a sua influência mútua. Pode até afirmar-se que, atravessando a história da “apreciação” artística, a literatura e a música sempre foram próximas, pois, na oposição às artes plásticas, música e literatura são vizinhas nos esquemas de classificação artística. Neste caso concreto, temos como pano de fundo um dos escritores mais citados de sempre e uma das bandas mais míticas no panorama da música popular contemporânea.
Em “ O retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde indica que toda a influência é imoral pois influenciar alguém é entregar-lhe a nossa própria alma. E a alma de Wilde é uma constante na obra dos The Smiths e, mesmo depois do fim destes, Oscar Wilde continua vivo na música feita pelo seu vocalista, Morrissey.
Tanto Wilde como os próprios The Smiths foram subvalorizados e parecem ter deixado algo por fazer. Intemporais e universais, controversos e alvo de discussão, Wilde e Morrissey complementam-se. Nas entrevistas que deu ao longo do tempo, a forma como Morrissey se expressa – a encenação da melancolia que o absorve – remete os mais atentos para o dramaturgo irlandês. O aforismo é uma das armas mais presentes nos textos de Wilde e é usada com frequência por Morrissey, quer nas suas composições líricas ou mesmo em entrevistas. Tal como as personagens que Oscar Wilde elabora na sua obra, Morrissey também é uma figura com extremos actos de isolação e uma sexualidade peculiar.
Uma das mais evidentes influências de Oscar Wilde na música feita pelos The Smiths surge no videoclip da canção There is a light that never goes out, onde são recorrentes imagens de Oscar Wilde em posters colados nas vermelhas paredes de tijolo da cidade de Manchester. Mas há mais: na canção Cemitery Gates, Morrissey – liderando os Smiths – canta «Keats and Yeats are on your side but you lose because Wilde is on mine»; em “Miserable Lie” – do album de estreia dos The Smiths -, Moz canta «You have destroyed my flower-like life», que provém de um excerto de “De Profundis” – «…by his sweetness and goodness to her through the brief years of his flower-like life».
O que importa reter é que, para os The Smiths, o autor irlandês não foi apenas uma influência, mas um individuo que os obrigou a ter um desígnio a cumprir. Uma fonte de inspiração determinante na criatividade da banda e na forma como os seus membros se relacionaram com o mundo em seu redor. Talvez Wilde não fosse apenas uma influência para os Smiths, mas uma extensão da própria banda no mundo das artes.
1 Commentário
Moz, um semideus… a dedicação em unir som e letra… acho que voei alto quando abri a boca e disse, na primeira vez: “Ler é se aproximar o mais perto de Deus.”…