Foi, para os admiradores dos Beatles e melómanos que gostam de assistir a aulas de História Musical, um dos maiores regalos de 2023. Com fotografias e reflexões de Sir Paul McCartney, “1964: Olhos da Tempestade” (Porto Editora, 2023) oferece um registo fotográfico da primeira viagem transatlântica dos fab four, juntando-lhe as reflexões pessoais de McCartney – um texto por cada bloco de imagens, além de um prefácio na primeira pessoa, onde se antecipa o festim: “Penso que as fotos que se seguem me mostram a tentar encapsular a loucura que sucedeu entre o final de 1963 e o início de 1964”.
O que se segue é “um diário fotográfico dos Beatles em seis cidades” – Liverpool, Londres, Paris, Nova Iorque, Washington e Miami -, feito por “um fotógrafo entusiasta que por acaso estava no lugar certo e no momento certo”. Ao todo temos 275 fotografias, muitas delas inéditas, que permitem uma viagem ilustrada no tempo para captar os tempos áureos de uma das maiores – e melhores – bandas de sempre da história da música pop. “Temos algumas fotografias muito nítidas e temos outras mais românticas, com aquela macieza que realmente capta o tempo”, resume McCartney.
É também no prefácio que se explica o título escolhido para esta bela edição de capa dura: “Ao princípio estive tentado a chamar-lhe o «Olho da Tempestade», porque os Beatles estiveram certamente no centro, ou no olho, de uma tempestade por eles gerada, mas quando olhei para todas estas fotografias, percebi que realmente deveria ser no plural, os “Olhos da Tempestade», por causa de todas as fotografias que os outros faziam, das fotografias que eu fazia e também dos olhos dos fºas que nos acolhiam, dos seguranças que cuidavam de nós. Quem está a olhar para quem? A câmara parece estar sempre a mudar, comigo a fotografá-los, a imprensa fotografando-nos a nós, e aqueles milhares e milhares de pessoas lá fora a quererem capturar esta tempestade”.
Sobre a América, então vista como o prémio maior que uma banda europeia poderia almejar, chega-nos um texto político com algum desapontamento pelo meio, onde se elogia os imigrantes, se recorda o assassinato do presidente Kennedy, se aponta o dedo à segregação e se fala de uma terra de contrastes: “primeiro o deslumbramento, com todas aquelas imagens das palmeiras de Miami, e a seguir o polícia que nos acompanha e que pára mesmo ao lado do carro, com as suas armas e munições praticamente encostadas à lente da minha câmara”.
Nicholas Cullinan, que assina o prefácio, traça-nos o roteiro, mas é com a introdução de Jill Lepore que a visita guiada começa à séria, num resumo completo – e com embalo hisórico – das várias etapas do livro, acrescentando-lhe a explicação do nome da banda, discorrendo sobre o método irónico das entrevistas, partilhando um curioso episódio com Dylan, tirando um retrato de um muundo em mudança ou, ainda, falando deste quarteto como “prisioneiros com serviço de quartos”.
Paul McCartney escreve um texto para cada uma das cidades, e muitas das fotografias são acompanhadas de uma legenda, o que garante ao leitor a sensação de estar a assistir a uma lição de história ao vivo, feita com total liberdade. “Usávamos os nossos instrumentos para contarmos as nossas histórias. Acho que usei a minha câmara da mesma maneira, com total liberdade. No vôo de regresso a casa, estava cheio de entusiasmo para ir mandar revelar as fotos. Mas, claro, quando aterrámos, o mundo inteiro arrastou-nos e quis algo de nós e nós ficámos felizes por lhe fazer a vontade. As fotografias ficaram pacientemente à espera, quase esquecidas, e demorou um pouco até finalmente conseguir mostrá-las. Acho que valeu a pena esperar”, escreve McCartney na despedida. Valeu mesmo.
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