São muitas as obras magistrais que Philip Roth deixou quando faleceu aos 85 anos (1933-2018), como também são muitas as listas dos “melhores 10”, “melhores 15” e até “melhores 30” romances escritos por ele. Em todas (obras e listas), persiste no leitor uma recordação duradoura, pela capacidade de Roth indagar as regiões mais obscuras do ser humano, de pôr em relevo a sua sagacidade e de transmitir o poder libertador dos sentidos e dos impulsos.
A trilogia Zuckerman Bound pode muito bem integrar uma destas listas de obras imprescindíveis de Philip Roth. A “O Escritor Fantasma”, escrito em 1979, segue-se este “Zuckerman Libertado” (D. Quixote, 2023), produzido em 1981 – e, seis anos depois, o fecho com “A Lição de Anatomia”. Todos integram, de forma extraordinária, a expressão das tensões entre a literatura e a vida, o custo da autenticidade artística e as consequências do escritor em sacrificar a intimidade pessoal e familiar em prol da narrativa. “Qual é a crise na vida de um escritor? Que obstáculos tem ele que ultrapassar na sua relação com o público?”.
Philip Roth expõe, como poucos, a cronologia do sucesso depois da indiferença e a asfixia do reconhecimento, o estar permanentemente debaixo dos olhares das pessoas. Explora o lado sombrio da fama, os medos e a perversidade das relações que nascem num contexto de efabulação e idolatria do autor, para depois se converterem em perseguição e transferência de frustrações e raivas.
Zuckerman retrata a grandeza e os abismos de um escritor que é, também, alguém com um lado sombrio, que transforma a fama e a fortuna em fracasso, incapaz de alterar a pequenez do seu mundo de sempre, desejando poder continuar a andar de autocarro, a comer em restaurantes rascas e a fazer do seu quotidiano um continuo de decisões impensáveis para quem podia viver confortável com vários milhões de dólares. Na base fica a evidência da ténue fronteira entre a excentricidade e a paranoia, em alguém que primeiro se isolava para estimular a imaginação e que, depois disso, passou a isolar-se para estimular a de quem o lê, na dúvida entre a excentricidade e a necessidade.
Para a personagem Zuckerman, alcançada a fama e o reconhecimento ambicionados, a opção acaba por recair no afastamento de todos, até dos velhos amigos, porque – principalmente – junto destes não poderia lamentar-se de ser a celebridade que todos queriam. Segue-se o desafio de aceitar que a sua escrita pode ter causado a destruição à sua volta, arrastando para a vergonha os que se sentem representados, retratados ou humilhados na sua ficção. Na realidade, depois de retratar parte das suas origens e identidade na obra que o catapultou para a fama, Zuckerman sentia-se parte de nenhures, consciente de ter comprometido a sua ligação à família e à comunidade que expusera.
Nathan Zuckerman, espécie de alter ego Rothiano, revela-se uma das maiores e mais persistentes invenções do autor norte-americano, que de forma de mais ou menos romanceada nos fala a respeito do processo de escrita – e daquilo que deixou escrito.
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