“O talento é sorte. A coisa mais importante na vida é a coragem.”
Woody Allen
Quando, em Janeiro de 2015, estávamos na ressaca do atentado sucedido nas instalações do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, alguém disse em directo na televisão que seria como se tivessem morto Woody Allen.
Allen é um dos últimos ícones e génios da cultura contemporânea. Conhecido mundialmente pelos seus filmes mas homem de vastos dotes, marcou a cultura ocidental no final do século passado e início deste que agora vivemos.
Natalio Grueso, amigo chegado de Woody Allen, traz-nos agora a história do homem que, a par de Charlie Chaplin ou dos irmãos Marx, não consegue parar de nos fazer rir.
“Woody Allen – O Último Génio” (Objectiva, 2016) é um resumo consistente e detalhado da ascensão de Woody Allen – nome pelo qual é conhecido o cidadão norte-americano Allan Stewart Konigsberg -, a forma como consegue produzir argumentos deliciosos em poucos dias e a maneira suis generis como se relaciona com os actores que escolhe para interpretar os papeis que escreve nos seus guiões.
Inicialmente, Grueso remete-nos para a adolescência de Allen, para os tempos em que ia de Brooklyn, o seu bairro de infância, até Manhattan, viajando de comboio com a família para ir ao teatro e ao cinema. Allen sempre prezou a sua vida íntima e privada, daí ter escolhido um nome artístico, chegando a confessar que tinha vergonha de que os seus colegas vissem o seu nome publicado na vitrine de uma livraria, num cinema ou num artigo de jornal. Allen era tímido e introvertido, e chegou mesmo a fazer psicoterapia na adolescência para contornar essa sua maneira de ser que, por sua vez, se tornou numa das suas características mais deliciosas.
Posteriormente é-nos relatada a forma feliz como Allen conheceu aqueles que o catapultaram para o estrelato, inicialmente como guionista e, depois, como realizador. Até aí os astros se alinharam como por magia, para que todos pudéssemos divertir-nos com os seus filmes.
Este cidadão de estatura franzina, óculos de hastes grossas e ar pacífico, é hoje um dos últimos ícones da cultura cinematográfica. Pelas suas mãos passaram actores e actrizes que, após interpretarem papéis em filmes por ele realizados, acabaram consagrados, atingindo o ponto alto do estrelato vencendo um Oscar, como são disso exemplo Cate Blanchett (“Blue Jasmine”), Penélope Cruz (“Vicky Cristina Barcelona”), Mira Sorvino (“Poderosa Afrodite”) e a incontornável Diane Keaton (“Annie Hall”).
Allen, por sua vez, opta por desprezar este tipo de prémios e raras vezes é visto em cerimónias como a dos Oscars, à qual apenas marcou presença em 2002, após os atentados do Onze de Setembro, numa demonstração de amor e solidariedade para com a cidade que sempre amou.
Esse amor pela Grande Maçã nunca o deixou esconder a sua admiração pelo cinema europeu. As suas grandes influências passam pelos mestres Fellini ou Bergman, não deixando de parte o expressionismo germânico de Fritz Lang. Todos estes cineastas marcaram as películas de Allen, sendo homenageados em filmes como “Recordações” ou “Celebridades”.
Nos filmes de Allen, um dos temas base é, por norma, a relação intempestiva entre pessoas com personalidades diferentes. Nesta biografia é revelado um estudo que conclui que após analisada toda a filmografia de Allen, noventa por centro dos seus filmes relatam casos de infidelidades. Talvez seja esta uma das formas de Allen transpor a forma como vê a vida para o grande ecrã, até porque o realizador já vai no seu terceiro casamento.
Além de discorrer sobre a paixão de Allen pelo jazz e a forma empenhada como toca clarinete, Grueso teve o cuidado de referir a importância de nomes grandes da literatura como Flaubert, Tolstoi ou Faulkner e as referências de que são alvo nos filmes do nova-iorquino, isto a propósito da influência da filosofia – e aqui, mais uma vez, os germânicos como Hegel ou Nietzsche – nos seus guiões.
É expectável que esse seu apreço pela filosofia o tenha tornado alguém que muito relativiza as opiniões alheias. A certa altura na obra pode ler-se uma citação de Allen, onde conclui que “pouco importa o que dizem de nós, porque saímos sempre a perder. Se nos criticam e desprezam o nosso trabalho, ficamos desconsolados (…) se nos felicitam (…) corremos o risco de acreditar neles e então podemos tornar-nos arrogantes.”
Neste livro, que resume a vida de Woody Allen, como atingiu o estrelato e o modo afortunado como conseguiu triunfar como argumentista – sem menosprezar a sorte que teve em conhecer as pessoas certas nas alturas mais oportunas -, Natalio Grueso mostra como a influência e as opiniões do cineasta têm relevância no mundo artístico contemporâneo, tendo deixado já uma pegada ecológica que irá perdurar por muito tempo: um percursor de uma forma de fazer comédia que marcou a nossa era, transformando o acto de fazer rir num exercício de reflexão e ponderação.
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