Depois de um enorme e algo incompreensível (quase) vazio nas livrarias portuguesas, a obra de Junji Ito continua a ser publicada a bom ritmo, muito graças ao trabalho de artífice da Devir que, após a edição de uma colecção de contos e dois volumes da série Tomie, publica agora o monumental “Uzumaki” (Devir, 2025), numa edição de grande formato que é mais um festim de terror e sobressalto.
Estamos em Kurouzu, uma pequena localidade que começa a ser palco de estranhos acontecimentos: o vento sopra em curvas, as folhas e os ramos enrolam-se e o fumo expelido pelo crematório desenha remoinhos funestos. Acontecimentos que começam a afectar, também, os seus habitantes, cujos cabelos se revolvem em círculos antes de os seus corpos se retorcerem antes de acabarem transformados em… caracóis.

Cabe a Kirie Goshida o papel de narrar esta maldição da espiral, começando por nos apresentar a Shuichi Saito, recuando ao dia em que este lhe propõe uma fuga a dois, por entre delírios como “a cidade está a tentar destabilizar-me!” ou “esta cidade está a ser contaminada por espirais”. Uma cidade de onde, a partir de certa altura, deixa de ser impossível escapar.
Numa narrativa em crescendo, Junji Ito serve-nos uma história onde há um lago contaminado, peças de cerâmica com rostos de mortos, desejos de popularidade, um rapaz que só vai à escola em dias de chuva – ou um outro que adora pregar sustos -, um farol abandonado e desgovernado, nuvens de mosquitos, um surto de calos e doenças de pele, desejos de canibalismo ou um labirinto construído com esmero e atenção ao detalhe.

O livro, uma dissimulada lança contra a desigualdade social, o capitalismo e a desumanidade – mas também uma história de amor ao estilo de um Romeu e Julieta em versão horror -, tornou-se uma obra de culto no Japão, tendo igualmente conquistado uma série de prémios fora de portas: Junji Ito recebeu o prémio Eisner e o livro foi seleccionado como uma das 10 melhores novelas gráficas para adolescentes (em 20009) pela Young Adult Library Services Association, tendo também sido adaptado a dois video-jogos e a um live-action realizado por Higunchisky. Esta edição inclui ainda um texto – quase um ensaio – de Masaru Sato, escritor e ex-diplomata, que nos ajuda a desvendar as muitas sub-camadas escondidas neste “Uzumaki”.
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