Não chega à marca das 200 páginas, mas tem o fôlego de um grosso romance. “Uma Herança” (Asa, 2023) conta a atribulada história dos Lonsonier, iniciada com um homem perdido na tradução que acaba por ganhar um novo nome, embarcando numa viagem de longo curso que termina no destino errado.
Assinado por Miguel Bonnefou – nascido em França, filho de mãe venezuelana e pai chileno, tendo crescido na Venezuela e em… Portugal -, este livro levou para casa um prémio e duas prestigiadas nomeações. Trata-se de uma história muito bem desenhada, que a partir da Calle Santo Domingo, no Chile, nos relata a história das três gerações dos Lonsonier: o patriarca, que chegou ao Chile no século XIX vindo de França, com um novo nome que faz nascer uma família, trazendo no bolso alguns trocos e um pedaço de videira; o seu filho Lazare, que ao regressar das trincheiras da Primeira Guerra Mundial decide construir no seu jardim um aviário que se tornaria mais tarde berço; e Margot, filha de Lazare e Thérèse, que desde muito cedo sonhou com tornar-se uma aviadora, acabando por ser isso e também a mãe de Ilario Da, um persistente revolucionário.
Fascinante e na tradição do realismo mágico, “Uma Herança” compõe-se de um leque de personagens a quem, na sua breve apresentação, se projecta desde logo o futuro, como numa leitura de cartas ou das linhsd da mão. Por entre delírios tecnológicos ou uma imagem física da ditadura chilena, procura responder-se à pergunta feita por cada uma das gerações dos Lonsonier: quem é Michel René, esse misterioso tio desaparecido em França, que com o passar do tempo alcançou o estatuto de lenda? Miguel Bonnefou mostra ser um exímio contador de histórias, num romance com tanto de tragédia como de comédia que é um hino à capacidade de reinvenção humana.
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